Cuide com carinho da sua criança interior
publicado por Deva Harischandra
Quando eu era criança:
Eu gostava de correr por aí, sentir o vento, subir em árvores, explorar o mundo.
Todo o tempo que eu estivesse na praia, rio ou piscina, eu estaria dentro da água.
Eu sorria pra todo mundo.
Brincava de falar em outras línguas.
Criava histórias malucas.
Adorava ir pra escola, fazer amizades.
Brincava de muitas coisas sozinha e com os meus irmãos.
Gostava de assistir a desenhos.
Confeccionei meus próprios papéis de carta enquanto não pude comprar.
Fazia bonecos de papelão e inúmeras roupinhas pra eles.
Usava e ousava da criatividade nas brincadeiras.
Gostava de ficar sem camisa.
Fazia poções mágicas com os meus irmãos.
Tive o privilégio de conhecer e brincar com meu avô Yozo pelo menos por alguns dias.
Era bem sapeca.
Gostei muito mais da bola que meu avô deu ao meu irmão do que da boneca que ganhei dele.
Dava aulas para os meus brinquedos reunidos na cozinha e os azulejos eram o meu quadro.
Curtia muito brincar na rua descalça, jogando vôlei, queimada, pique de tudo quanto é tipo, fazer corrida de tampinhas de garrafa, brincar com bolinha de gude...
Adorava jogar Alex Kid, Super Mário Bros, Bomberman e Sonic no vídeo game.
Mas quando eu era criança eu também...
Fui aprendendo a me sentir insegura, pouco inteligente, incapaz, fora dos padrões.
Fui aprendendo a me comparar pra menos.
Tinha medo do escuro.
Medo da “mulher de algodão”.
Medo de apanhar.
Sonhava que meus pais se separassem.
Passei com a minha família por muitos momentos de escassez.
Tinha o sentimento de que fazia tudo errado, de que não pensava direito, porque o meu pai me dizia isso.
Aprendi a andar, respirar e brincar completamente em silêncio para não incomodar.
Bebia garrafas de água com gelo no copo, brincando de beber whisky inspirada em cenas de novelas que assistia.
Ouvi de uma moça que trabalhava em minha casa e cuidava de mim e dos meus irmãos, que ela iria se matar e daria um pedaço do seu corpo a cada um de nós, e eu ficava imaginando a sua cabeça rolando em minha caixa de brinquedos.
Tinha um certo tipo de compulsão em que na minha cabeça se eu não repetisse determinadas atitudes em um determinado número de vezes, acreditava que iria morrer.
Separei muitos casais de borboletas quando estavam acasalando, achando que estava fazendo bem pra eles.
Passei lápis de cor na boca como se fosse batom e fui tida como um absurdo de vaidosa e assanhada, o que me deixou bastante envergonhada por minha atitude.
Ficava mal quando meu pai brigava comigo, e me sentia muito pior se eu estivesse usando saia...
Todos nós trazemos conosco a nossa criança interior. Aquela nossa parte mais alegre, espontânea, divertida, sensível, inocente, leve, capaz de se admirar com as coisas simples.
Mas se na infância, a nossa criança foi ferida e não fomos capazes ainda de permitir que se curasse e ressignificasse os sentimentos, ela ainda carrega muitas dores e vai agir por nós em muitos momentos da vida adulta movida por essas feridas e dores que carrega.
Traumas, memórias e crenças que guardamos no corpo, na mente, na alma e nas emoções podem ficar reverberando por toda a vida dentro de nós, se não curarmos essas feridas.
Coisas que escutamos, sentimos e vivenciamos através da convivência com professores, amigos, colegas e familiares, principalmente os pais, mesmo que não tivessem essa intenção, podem permanecer conosco nos fazendo mal. É importante lembrar que nem tudo é recebido da mesma forma que foi enviado. Sentimos e percebemos as coisas a partir da nossa ótica.
Adquirimos assim, inseguranças, dores, mágoas, tristezas, sentimentos de abandono, de não sermos importantes, de incapacidade, de comparação, de não aceitação, de ódio a nós mesmos, de rejeição, sensação de estarmossendo julgados e condenados o tempo todo...
A gente vai adquirindo através das feridas, vestimentas sociais que não nos cabem, verdades absolutas que não existem sobre nós, medos e uma visão bastante deturpada sobre nós mesmos, nos afastando cada vez mais da nossa essência.
Criamos mecanismos de defesa para nos protegermos e nos mantermos em uma zona que julgamos segura. Deixamos de fazer coisas que gostaríamos para não corrermos o risco de sofrermos e nos machucarmos ainda mais, pois ainda sentimos a ferida latente.
E feridos em tamanha intensidade, nos basta alguma situação apertar o calo para que a criança ferida se manifeste.
Muitas vezes, ao longo do dia, quem fala e age é a criança ferida, e não o adulto. Isso ocorre muitas vezes por buscarmos aquilo que sentimos que nos faltou na infância: amor, carinho, atenção, segurança, incentivo, reconhecimento, aprovação, validação...
E a nossa criança ferida acaba reagindo com chantagem emocional, vingança, dependência, jogo de poder, criamos na cabeça histórias fantasiosas que nos fazem sofrer e agimos como se fossem reais com as pessoas envolvidas, sentimos ciúmes, colocamos a culpa no outro, xingamos, brigamos, humilhamos, debochamos, ridicularizamos, nos posicionamos como vítimas, julgamos, nos isolamos...
Tente identificar em você mesmo, atitudes de outras pessoas que o levaram a rapidamente sair de si e agir como uma criança imediatista, reagindo sem pensar, de forma automática. Atitudes essas, que funcionaram como gatilhos disparadores para que você agisse dessa forma.
Reagimos assim porque na verdade somos atingidos em cheio nas feridas da nossa criança, por essas atitudes nos fazerem sentir medo, vergonha, insegurança, culpa, carência, sentimento de vazio, mágoa, desconfiança ou raiva.
A psicoterapia tântrica é uma excelente ferramenta para obter resultados rápidos e bastante eficazes, aliando terapia falada e terapia corporal, trabalhando o autoconhecimento, trazendo consciência das características da criança ferida, e auxiliando na identificação dos disparadores que nos levam a acessá-la e permitir que aja no lugar do adulto. Percebendo quais sentimentos estão por trás desses comportamentos e criando alternativas para que a gente consiga se manter consciente durante a situação.
É ótimo começar a perceber quando a nossa criança ferida vem à tona e poder olhar a situação como observadores e quebrar o ciclo de dor que se iniciaria a partir daquela determinada situação que a trouxe à tona.
Trabalhando no sentido de que possamos reconhecer as dores do passado, olhar pra nossa criança de uma forma amorosa, gentil e acolhedora, curar suas feridas, trazer novos códigos para esse corpo, conscientes do que podemos fazer com o que sofremos no passado agora no presente. Assumindo a nossa responsabilidade sobre nossas vidas aqui e agora.
Trazer consciência de que não precisamos continuar naquela dor que nos machucou um dia, de que já passou. De que somos protagonistas da nossa própria história e deixar o passado no passado é muito importante para que possamos ser os criadores da nossa realidade presente.
Compreender que pai e mãe têm suas visões de mundo e trazem muitas questões de suas crianças feridas também e olhar para eles sem julgamentos, sem analisar se você teria feito diferente do que eles fizeram, e separar que o que é seu é seu, e o que é de cada um deles é de cada um deles, é uma cura gigantesca. Honrar a eles e a toda a ancestralidade por ter te presenteado com a possibilidade de viver e experienciar tudo o que podemos é libertador.
Que a gente possa acolher a nossa criança, olhar pra ela com carinho e amorosidade, abraçá-la, mostrar que está tudo bem, que ela é inteligente, amada, querida, divertida, criativa, cheia de qualidades, que saiba que pode brincar ao sol e rir de si mesma... Que a gente possa carregá-la conosco, deixando-a livre, espontânea e feliz. Tornando a nossa vida leve, cheia de vontade de explorar, conhecer, experienciar, com um olhar doce e carinhoso sobre as coisas e pessoas, valorizando as coisas simples, com o sorriso fácil, o riso frouxo e a inocência na alma...
Namastê!