A jornada íntima
publicado por Cervinka
Inspiração. Uma habilidade natural de todos nós, seres criativos, de enxergar além, sobretudo a partir de um olhar mais profundo, mais “para dentro”. A criatividade está relacionada à capacidade de fazer associações, desconstruir modelos e erguer novos, nesta ordem, em qualquer campo da atuação humana. O orgulho é um obstáculo, um véu que impede a visão nítida e dificulta a interpretação adequada, livre de pré-julgamentos, que por sua vez, aprisiona o indivíduo em ilusões. A sabedoria, por outro lado, apascenta e liberta.
Uma realidade parcial, incompleta. Assim, o ser humano interpreta a vida, sob a análise dos fatos e das coisas ou pessoas a partir da sua capacidade mental, do seu estado emocional e do acúmulo das experiências vividas. Essa maneira tão peculiar de ver a vida é apenas parte da realidade. É necessário que se admita isso para evitar conflitos e ilusões da ordem “eu estou com a verdade, você não está”, como se isso fosse possível.
Essa é uma dinâmica natural na vida humana. Porém, quando associada à manifestação do orgulho, estabelece-se um agravante nas relações como um todo. Isso porque para a interpretação à sombra do orgulho, basta que haja imaginação e suposição, abstendo-se do sentimento. O orgulho impõe o uso de máscaras que inibem a naturalidade, a originalidade, a sinceridade ou a própria criatividade, porque construir uma faceta se torna mais importante do que viver, valorizar ou burilar os sentimentos do universo interior.
Buscar o discernimento entre sensação e percepção é uma das bases fundamentais para reduzir consideravelmente os níveis de orgulho com o qual a pessoa transita por sua jornada evolutiva. Enquanto a primeira está relacionada ao efeito provocado por estímulos que chegam aos órgãos dos sentidos, a segunda se refere à interpretação e à compreensão desses efeitos, associados aos sentimentos gerados.
A percepção pode trazer elucidações sobre o que se passa no mundo interior de cada ser humano. Em tom poético, “ouvir a voz do coração” é atitude salutar no caminho do encontro consigo mesmo. Buscar a própria essência é buscar a divindade da Criação refletida no íntimo.
A mente se torna mais lúcida e livre conforme se intensificam os exercícios diários de autopercepção. A referida liberdade é a que derrete as algemas dos pensamentos e convicções egoístas, derruba os muros e paredes do orgulho, e descortina a janela das ilusões.
Alguns teóricos costumam afirmar que “nunca é tarde para ser quem você quer ser”. Importante ressaltar que a jornada evolutiva se dá de dentro para fora. Ser quem você quer ser se torna um objetivo profundamente concreto quando se deseja ser a si mesmo, isto é, ir além da superfície do que se acredita ser e “enxergar mais para dentro de si”, libertando a essência escondida, tal qual o olhar e a percepção de Michelangelo para o bloco de mármore, de onde “retirou o excesso de pedra que aprisionava Davi”.
Há, portanto, um caminho que pode ser longo para chegar ao núcleo de si mesmo, um ser divino, com luz própria. O tempo, no entanto, é diretamente proporcional à velocidade com a qual há inspiração suficiente para perceber as possibilidades de associações cognitivas para a análise íntima que a vida oferece a cada amanhecer.
[ arte: "Inner Light" by Bruce Rolff ]