A Relação entre o Tantra e a Sexualidade Feminina Contemporânea:
Reflexões sobre Patriarcado, Red Pill, Religião e Simone de Beauvoir
publicado por Dhyan Ashna (Simone Carneiro)
O desenvolvimento da sexualidade feminina sempre foi um terreno complexo e multifacetado, permeado por construções culturais, religiosas e filosóficas que, historicamente, impuseram normas, repressões e preconceitos. O Tantra filosófico, com suas raízes matriarcais e enfoque na valorização e integração do feminino, proporciona uma visão que confronta e dialoga com os ideais patriarcais predominantes na sociedade contemporânea. Essa filosofia oriental propõe uma abordagem sagrada e profunda sobre a sexualidade, visando o autoconhecimento, o respeito mútuo e a transcendência espiritual, conceitos que têm muito a contribuir na compreensão da mulher no cenário atual.
No contexto contemporâneo, a sexualidade feminina encontra-se frequentemente dividida entre os extremos do excesso e da carência, ambos advindos de uma sociedade que, apesar dos avanços sociais, ainda mantém estruturas patriarcais arraigadas. Esse cenário de repressão e controle da expressão sexual feminina é intensificado pela popularização de comunidades virtuais, como as que defendem as chamadas "red pills". Esse movimento, oriundo principalmente de comunidades masculinas online, visa expor o que consideram "verdades inconvenientes" sobre as relações entre homens e mulheres, frequentemente perpetuando visões misóginas e negando as questões legítimas enfrentadas pelas mulheres em suas vivências de opressão.
Simone de Beauvoir, em sua obra *O Segundo Sexo*, oferece uma análise crítica sobre a condição feminina na sociedade, explorando como a mulher é reduzida a um "Outro" em relação ao homem. Sua célebre citação, “Um homem não teria a ideia de escrever um livro sobre a situação singular que ocupam os machos na humanidade. Entretanto, cada vez que uma mulher quer escrever sobre sua situação, ela é obrigada a declarar ‘sou uma mulher’”, reflete a invisibilidade e a marginalização da perspectiva feminina nas ciências e nas artes, fenômeno que persiste em diversas áreas, da filosofia à religião.
No Tantra, há um espaço importante para a reinterpretação do sagrado feminino. Essa filosofia de raízes antigas valoriza o papel da mulher não como um objeto, mas como um sujeito de força vital e espiritualidade. A prática tântrica, em sua essência, convida para uma redescoberta da sexualidade como um processo de cura e união, em que o feminino é celebrado como fonte de vida e prazer, desafiando, assim, a narrativa patriarcal que associou a sexualidade feminina à subserviência ou à culpa.
A repressão da sexualidade feminina, muitas vezes justificada em nome da religião e da moralidade, tem consequências profundas na vida das mulheres. Em sociedades majoritariamente patriarcais, o corpo feminino é controlado, monitorado e disciplinado, resultando em uma vivência marcada por conflitos internos e tensões entre o desejo e a repressão. O Tantra filosófico propõe uma alternativa, onde o corpo feminino é não só aceito, mas honrado e compreendido como um portal para o autoconhecimento. Esse pensamento contrasta diretamente com as visões misóginas do movimento red pill, onde a mulher é frequentemente vista como manipuladora ou superficial, esvaziando, assim, sua complexidade e subjetividade.
A obra de Simone de Beauvoir continua sendo uma referência essencial para a compreensão das condições e das lutas das mulheres, especialmente na medida em que ela discute a construção cultural da feminilidade e denuncia a forma como a sociedade define a mulher em função do homem. A autora revela que a condição da mulher foi sendo, ao longo da história, moldada de forma a privá-la de sua individualidade e potência, sendo limitada ao que o patriarcado define como seu papel e função.
A convergência de ideias entre o Tantra matriarcal e o pensamento feminista de Beauvoir aponta para um novo entendimento da sexualidade e do feminino. A partir da valorização e da autonomia sobre o corpo, o Tantra pode ser uma filosofia que promove um espaço de reconciliação e afirmação para as mulheres, resgatando a espiritualidade e a dignidade de seu ser. No contexto contemporâneo, essa visão se apresenta como uma contra narrativa necessária para superar os extremos de carência e excesso e abrir espaço para uma vivência mais plena e consciente da sexualidade feminina.
Assim, o pensamento de Simone de Beauvoir e a filosofia tântrica matriarcal convergem ao propor uma emancipação da mulher, uma libertação do jugo patriarcal e religioso que molda a vida e o corpo femininos. Através dessa reflexão, é possível vislumbrar uma sociedade onde as mulheres possam ser, antes de tudo, seres completos e autônomos, capazes de expressar plenamente sua sexualidade e espiritualidade.