A suprema compreensão
Tantra - A Suprema Compreensão
publicado por Osho
A Suprema compreensão
transcende tudo isto e tudo aquilo.
A suprema ação
contém grande produtividade sem apego.
A suprema realização
é compreender a imanência sem desejo.
De início, o iogue sente que sua mente
se está despencando como uma cascata;
a meio curso, como o Ganges,
ela flui, lenta e suavemente;
ao fim, é um grande, um vasto oceano,
onde as luzes da mãe e do filho fundem-se numa só.
Todos nascem livres, porém morrem em cativeiro. No início de tua vida és totalmente desprendido e natural mas, depois, entra a sociedade, surgem as regras e os regulamentos, a moralidade, a disciplina e muitos tipos de treinamento. Assim, o desprendimento e a naturalidade, bem como o ser espontâneo, estão perdidos. Cada qual começa a reunir em torno de si uma espécie de armadura. Cada qual começa a tornar-se mais rígido. A suavidade interior já não mais é visível.
Na fronteira do ser cada qual cria um fenômeno parecido a uma fortaleza para se defender, para não ser vulnerável, para reagir, para ter segurança: a liberdade de ser está perdida. Cada qual começa a olhar nos olhos do outro: sua aprovação, suas negações, suas condenações, suas apreciações vão se tornando cada vez mais valiosas. “Os outros” torna-se o critério e todos passam a imitar e a seguir os outros, porque todos temos de viver uns com os outros.
A criança é muito maleável, pode ser modelada de qualquer maneira e a sociedade começa a modelá-la: os pais, os professores, a escola. Aos poucos, ela se torna um caráter, e não um ser. Aprende todas as regras, ou se torna um conformista, o que também é cativeiro, ou se faz rebelde, o que é uma outra espécie de cativeiro.
Se transformar-se num conformista, ortodoxo, quadrado, estará presa a uma qualidade de cativeiro, pode reagir, tornar-se um hippie, ir ao outro extremo, mas ainda permanecerá preso a outro um tipo de cativeiro - porque a reação depende da mesma coisa contra a qual reage. Podes ir ao mais longínquo ponto do mundo, mas, bem no fundo da mente, tu te estarás rebelando contra as mesmas regras. Outros as seguem, tu reages, mas o foco permanece centrado nelas. Reacionários ou revolucionários, todos viajam no mesmo barco. Podem estar uns contra os outros, costas contra costas, mas o barco é o mesmo.
Um homem religioso não é reacionário nem revolucionário. Um homem religioso é, simplesmente, desprendido e natural: não é a favor nem contra as coisas, é simplesmente ele mesmo, não tem regras a seguir nem regras a repelir: não tem regras.
Um homem religioso é livre em seu próprio ser; não está modelado por hábitos e condicionamentos. Não é culto - não que seja incivilizado e primitivo; ao contrário, é a mais alta expressão em civilização e cultura; mas não é um ser culto. Cresceu em sua percepção e não necessita de regras; transcendeu às regras. É verdadeiro, não porque sua regra seja ser verdadeiro; sendo desprendido e natural ele é simplesmente verdadeiro, acontece-lhe ser verdadeiro. Tem compaixão, não porque siga um preceito: sê compassivo! Não. Sendo desprendido e natural, sua compaixão fluindo naturalmente, nada precisa fazer, de sua parte; a compaixão é um subproduto de seu progresso em percepção. Não é contra a sociedade, nem pela sociedade - está, simplesmente, para além dela. Tornou-se, de novo, uma criança, criança de um mundo inteiramente desconhecido, uma criança em nova dimensão; em uma palavra renasceu.
Toda criança nasce natural e desprendida; então, vem a sociedade e é preciso que venha por certas razões, o erro não está nisso. Se a criança for deixada a si própria jamais crescerá e jamais poderá tornar-se religiosa; tornar-se-á apenas um animal. A sociedade tem de vir, a sociedade tem de ser atravessada - ela é necessária. A única coisa a lembrar é que a sociedade é apenas uma passagem a ser atravessada; não deves fazer dela uma casa onde se viva. A única coisa a recordar é que a sociedade tem de ser seguido e, então, transcendida; as regras têm de ser aprendidas e, então, desaprendidas. As regras têm de ser aprendidas e, então, desaprendidas. As regras farão parte da tua vida porque há os outros; tu não estás sozinho.
No ventre materno, a criança está absolutamente só; não tem necessidade de regras. As regras chegam, apenas, quando o outro entra em teu relacionamento; as regras vêm com o relacionamento, porque não estás sozinho e tens de pensar nos outros, considerar os outros. No ventre materno, a criança está só, não há regras, nem moralidade, nem disciplina, nem ordem que lhe sejam necessárias, mas, a partir do momento em que nasce, mesmo seu primeiro hausto de ar já é social. Se não está chorando, os médicos forçam-na a chorar imediatamente, porque, se dentro de poucos minutos não chorar, estará morta. Tem de chorar, porque o choro abre a passagem através da qual ela poderá respirar e limpa-lhe a garganta. Tem de ser forçada a chorar - mesmo seu primeiro hausto de ar é social; outros estão ali, a seu lado, a modelagem começou.
Nada de errado há nisso! Tem de ser feito, mas de tal forma que a criança nunca venha a perder o desprendimento e a naturalidade; que ela nunca se identifique com os padrões culturais, que permaneça interiormente livre; que saiba que as regras devem ser seguidas, mas não são a vida, e que saiba, também, que tem de ser ensinada. E eis o que uma boa sociedade ensinaria: “Estas regras são boas, mas há outras; estas regras não são absolutas e não se espera que permaneças confinado a elas - um dia deves transcendê-las.” Uma sociedade é boa se ensina aos seus membros civilidade e transcendência. Então, é uma sociedade religiosa. Se jamais ensina a transcendência vem a ser, então, uma sociedade simplesmente secular e política, sem religião.
Tens de ouvir os outros até certo ponto, para que, então, comeces a ouvir-te a ti mesmo. Deves voltar ao estado original. Antes de morrer deves tornar-te de novo uma criança inocente - desprendido, natural -, porque, na morte, estás entrando novamente na dimensão de estar sozinho. Tal como no ventre materno, na morte também entrarás na região do estar sozinho. Ali não existe sociedade. E, através da tua vida, deves encontrar alguns espaços, alguns momentos como oásis num deserto, em que simplesmente feches os olhos e passes para além da sociedade, vás para ti mesmo, para teu próprio ventre - isso é a meditação. Vives na sociedade, mas simplesmente fechas os olhos, esqueces a sociedade e ficas a sós. Não existem regras, em teu interior, não há necessidade de caráter, de moralidade, de palavras, de linguagem. Podes ser desprendido e natural, interiormente.
Progride para essa desprendida naturalidade. Mesmo que haja necessidade de uma disciplina externa, por dentro mantém-te selvagem. Se uma permanecer selvagem por dentro, mas ainda assim praticar as coisas necessárias à sociedade, depressa virá o dia em que ela, simplesmente, transcenderá.
Vou contar-te uma história e depois entrarei nos sutras.
Trata-se de uma história sufi: um velho e um jovem estavam viajando e traziam um burro preso a uma corda. Aproximavam-se de uma cidade e vinham, ambos, andando ao lado do burro. Crianças, que iam para a escola, passaram por eles, desataram a rir e caçoar dizendo: - “Vejam esses tontos: têm um burro sadio e estão caminhando. Ao menos o velho poderia montar no burro.”
Ouvindo as crianças, o velho e o jovem disseram: - “Que fazer? As pessoas estão caçoando e logo entraremos na cidade, por isso, é melhor fazermos o que essas crianças dizem.” Então, o velho montou no burro e o rapaz o foi seguindo.
Adiante, outro grupo de pessoas, quando se aproximavam, olhou para eles. E as pessoas disseram: - “Vejam! O velho está montado no burro e o pobre rapaz vai caminhando. Isso é absurdo! O velho pode caminhar, mas o rapaz deveria estar montado no burro.” Assim, mudaram de lugar: o velho passou a andar enquanto o rapaz montou no burro.
Então encontraram outras pessoas que disseram: - “Olhem para esses tontos. E esse rapaz parece bem arrogante. Talvez o velho seja seu pai, ou seu professor e está andando, enquanto ele vai montado - isso é contra as regras!” Então, o que fazer? Decidiram, ambos, que havia uma única possibilidade: ambos deveriam montar no burro; e fizeram isso.
Então novas pessoas disseram: - Vejam esses dois, como são violentos! O pobre burro está quase morrendo - e duas pessoas montadas nele! Seria melhor que carregassem o burro às costas.”
De novo discutiram o assunto e, então, chegaram a um rio onde havia uma ponte. Estavam quase na entrada da cidade e pensaram: - “É melhor que nos comportemos conforme pensam as pessoas desta cidade, se não podem pensar que somos idiotas.” Procuraram um bambu, nele penduraram o burro, puseram o bambu às costas e o carregaram. O burro tentou rebelar-se, como fazem os burros, pois, não podem ser forçados muito facilmente. Tentou escapar, porque não acreditava na sociedade e no que os outros estavam dizendo. Mas os dois homens eram demais para ele; forçaram-no e ele teve de render-se.
Bem no meio da ponte encontraram um grupo de pessoas e todas elas se juntaram em torno dos viajantes, dizendo: - “Vejam esses malucos! Nunca vimos idiotas tão grandes; um burro é para ser montado e não carregado nos ombros. Vocês ficaram loucos?
Os dois estavam ouvindo e a multidão aumentando. O burro ficou agitado, tão agitado que saltou e transpôs a ponte, tombando no rio, onde morreu. Os dois homens desceram; o burro estava morto. Sentaram-se ao lado dele e o velho disse: - “Agora, ouve...” Essa não é uma história comum - o velho era um Mestre sufi, uma pessoa Iluminada, e o jovem era um discípulo. O velho Mestre estava tentando dar-lhe uma lição, porque os sufis sempre criam situações. Dizem que, a não ser que vivas uma situação, não consegues aprender profundamente. Aquilo foi, pois, apenas uma lição para o jovem. Então, o velho disse: - “Vê: tal como este burro tu morrerás, se ouvires demais as pessoas. Não te preocupes com o que os outros dizem, porque há milhões de outros e todos têm suas próprias mentes: cada qual dirá alguma coisa, cada qual tem sua opinião e, se deres atenção a opiniões, isso será o teu fim.”
Não ouças ninguém, permanece tu mesmo. Passa por eles, apenas, sê indiferente. Se os ouvires a todos, todos estarão te aguilhoando para que vás por este, ou por aquele caminho. Jamais conseguirás chegar ao centro de teu mais íntimo ser.
Todo o mundo se tornou excêntrico. Essa palavra é muito bonita: significa fora do centro e é usada para pessoas malucas. Mas todos são excêntricos, estão fora do centro, e o mundo inteiro te está ajudando a tornar-te excêntrico, porque todos te estão aguilhoando. Tua mãe te está aguilhoando para o norte, teu pai para o sul, teu tio está fazendo uma outra coisa, teu irmão ainda outra, tua esposa, naturalmente, mais outra; todos estão tentando, de alguma forma, forçar-te, levar-te a algum lugar. Aos poucos, chega um momento em que não estás em lugar algum. Permaneces nas encruzilhadas, empurrado de norte para o sul, de leste para oeste, movendo-te para parte alguma. Aos poucos, toda a tua vida se torna assim - tu te tornas excêntrico.
Essa é a situação. E, se continuas a ouvir os outros e a não ouvir teu centro interior, continuará a ser assim. Toda meditação deve ser centralizada, não pode ser excêntrica; deve ir ao teu próprio centro. Ouve tua voz interior, sente-a e obedece a ela. Gradualmente, saberás rir das opiniões dos outros, ou ser-lhes simplesmente indiferente. E, desde que te tornes centralizado, passas a ser alguém poderoso. Então, ninguém poderá aguilhoar-te, ninguém poderá empurrar-te para parte alguma - ninguém ousará fazê-lo. Serás tal poder, centralizado em ti mesmo, que qualquer pessoa, aproximando-se com uma opinião, simplesmente a esquece ao se chegar a ti. Quem quer que venha forçar-te a ir a algum lugar simplesmente esquecerá que vinha para forçar-te. Ao contrário, ao se aproximar, ela começa a sentir-se conquistada por ti.
Assim é que um homem sozinho pode tornar-se poderoso, a ponto de toda a sociedade, toda a História, não poderem movê-lo uma só polegada. Por isso é que um Buda existe, um Jesus existe. Podes matar um Jesus, mas não podes forçá-lo. Podes destruir-lhe o corpo, mas não podes forçá-lo uma só polegada. Não que ele seja irredutível ou obstinado; não, ele está, simplesmente, centralizado em seu próprio ser - sabe o que é bom para si, sabe o que é beatífico. Isso já aconteceu; não o consegues atrair para novas metas, não há capacidade de sugestão que o leve para outro alvo. Ele encontrou seu lar. Pode ouvir-te pacientemente, mas não podes movê-lo. Ele está centralizado.A centralização é a primeira coisa para se chegar à naturalidade e desprendimento. De outra forma, se fores natural e desprendido, qualquer pessoa poderá levar-te a qualquer parte. Por isso é que não se permite às crianças serem naturais e desprendidas: ainda não estão bastante maduras para isso. Se forem naturais e desprendidas, correndo por toda a parte, sua vida estaria desperdiçada. Daí eu dizer que a sociedade faz um trabalho necessário: protege as crianças, transforma em fortaleza um caráter parecido a uma cela. As crianças precisam disso, pois são muito vulneráveis, podem ser destruídas por qualquer um; a multidão aí está e, sozinhas, crianças não serão capazes de encontrar seu caminho - precisam um caráter-armadura.
Mas se o caráter-armadura torna-se toda a tua vida, estás perdido. Não deves tornar-te uma cidadela, deves permanecer o senhor, deves continuar capaz de sair dela. De outra forma, não será uma proteção. Tornar-se-á uma prisão. Deves ser capaz de sair de teu caráter, deves ser capaz de pôr de lado teus princípios. Deves ser capaz, se a situação assim o requerer, de responder de uma forma absolutamente nova. Se perderes essa capacidade, então tu te farás rígido, então não poderás ser desprendido. Se perderes essa capacidade, então tu te tornarás antinatural, então não serás flexível.
Flexibilidade é juventude; rigidez é velhice. Quanto mais flexível mais jovem, quanto mais rígido mais velho.
A morte é a rigidez absoluta.
Vida é absoluto desprendimento e flexibilidade.
Isso tu tens de lembrar para, então, tentar compreender Tilopa, Suas palavras finais:
A suprema compreensão
transcende tudo isto e tudo aquilo.
A suprema ação
contém grande produtividade sem apego.
A suprema realização
é compreender a imanência sem esperança.
Muito, muito significativas estas palavras:
A suprema compreensão transcende tudo isto e tudo aquilo.
O conhecimento sempre se refere a isto, ou a aquilo. A compreensão não é uma coisa, nem outra. O conhecimento é sempre dualidade: um homem é bom, sabe o que é bom; outro homem é mau, sabe o que é mau - mas ambos são fragmentados, divididos pela metade. O homem bom não é inteiro, porque não sabe o que é mau; sua bondade é pobre, carece da intuição que a maldade dá. O homem mau também é pela metade; sua maldade é pobre; não é rica, porque ele não sabe o que é bondade. E a vida é ambas as coisas reunidas.
Um homem de real compreensão não é bom nem mau, ele compreende ambas as coisas. E, em virtude dessa mesma compreensão, transcende ambas. Um sábio não é bom nem mau. Tu não podes confiná-lo a uma categoria; para ele não existem escaninhos; não podes classificá-lo. É ilusivo, não o podes agarrar. E qualquer coisa que digas dele, será sempre incompleta, nunca será tudo. Um sábio tem amigos e seguidores, que o julgarão um deus, porque só vêem sua parte boa. O sábio pode ter adversários e inimigos, e estes o julgarão diabo encarnado, porque só conhecem sua parte má. Mas, se conheceres um sábio, verás que ele não é uma coisa nem outra, ou ambas juntas - e ambas significam a mesma coisa.
Quando é ambas as coisas reunidas, bom e mau, não és nenhuma delas, porque elas se aniquilam mutuamente, negam-se mutuamente e, em seu lugar fica um vácuo.
Esse conceito é muito difícil pára a mente ocidental, porque os ocidentais dividiram Deus e o Diabo absolutamente. Tudo o que é mau pertence ao Diabo e tudo o que é bom pertence a Deus; seus territórios são demarcados; inferno e céu são colocados separadamente.
Por isso é que os cristãos parecem um tanto pobres aos olhos dos sábios tântricos; são apenas bons, simples; não conhecem o outro lado da vida. E por isso é que estão sempre temendo o outro lado, sempre tremendo de medo. Um santo cristão está sempre rezando para que Deus o proteja contra o mal. O mal está sempre num canto e ele o tem evitado. Quando evitas algo constantemente, esse algo permanece na tua mente. E tens medo e tremes.
Um Tilopa não conheces tremores, nem medo, e jamais pede a Deus que o proteja: ele está protegido. Qual é a proteção dele? A compreensão é a sua proteção. Viveu tudo; foi até o mais recuado ponto do mal, viveu o Divino e agora sabe que os dois são aspectos de uma mesma coisa. E agora nem se aflige sobre o bem, nem se aflige sobre o mal, e vive uma vida desprendida, natural, simples, não tem conceitos predeterminados. E, sobre ele, nada se pode predizer.
Não podes predizer um Tilopa; podes predizer Santo Agostinho, podes predizer outros santos, mas não podes predizer um sábio tântrico; simplesmente não podes. Sobre ele não se pode predizer. Porque a cada momento ele responderá ninguém sabe de que forma, ninguém sabe; nem ele sabe. E aí reside a beleza disso porque, se souberes obre teu futuro, já não serás um homem livre; estarás agindo de acordo com certas regras, terás um caráter pré-fabricado; então, de alguma forma, a isso terás de reagir, não responder.
Ninguém pode prever o que Tilopa fará em determinada situação: o todo da situação é que trará a resposta. E ele não tem preferências, nem aversões: nem isto, nem aquilo. Agirá, não reagirá; não reagirá em conseqüência de seu passado, não reagirá de acordo com seus futuros conceitos, com seus próprios ideais. Agirá aqui e agora; a resposta será total: ninguém pode prever o que acontecerá.
A compreensão transcende a dualidade.
Diz-se que, certa vez, Tilopa estava vivendo numa caverna e um passante, um inquiridor, veio visitá-lo. Ele estava comendo e usava um pequeno crânio humano como vasilha. O viajante ficou assustado. Aquilo era terrífico! Viera ver um sábio e o homem à sua frente parecia pertencer ao mundo dos magos negros. Estava comendo num crânio e apreciando o que comia. Ao lado de Tilopa havia um cão que comia da mesma vasilha e, quando o homem chegou, Tilopa o convidou a participar da refeição. - “Venha - disse - que bom teres chegado a tempo, porque isto é tudo quanto tenho. Depois que eu terminar não haverá mais nada durante vinte e quatro horas. Só amanhã alguém trará alguma coisa. Portanto, venha participar.”
O homem sentiu-se muito enojado - um crânio humano cheio de comida e um cão também participando! E disse: - “Sinto-me enojado.”
Tilopa respondeu: - “Então, foge o mais depressa possível daqui e não olhes para trás, porque Tilopa não é para ti. Por que te enojas vendo este crânio humano? Tu o carregas contigo há tanto tempo e o que há de errado no fato de meu alimento ser tomado neste crânio? Trata-se de uma das coisas mais limpas. Não estás enojado de teu próprio crânio, aí, dentro de ti? Toda a tua mente, teus belos pensamentos, tua bondade, tua moralidade, tua santidade - tudo isso está em teu crânio. Eu apenas estou comendo neste crânio, ao passo que o teu céu, o teu inferno, todos os deuses e teu Brama, tudo isso está em teu crânio. A esta altura já devem estar inteiramente sujos e tu devias enojar-te disso. E tu próprio aí estás, em teu crânio. Por que te sentes enojado?”
O homem tentou desdizer, racionalizar. Disse: - “Não é por causa do crânio, é por causa desse cão.”
Tilopa riu e disse: - “Tu foste um cão em tua vida passada e todos têm de passar por esse estágio. E que há de errado em ser um cão? E qual é a diferença entre ti e um cão? A mesma avidez, o mesmo sexo, a mesma cólera, a mesma violência, a mesma agressividade, o mesmo medo - por que pensas que és superior?
É difícil entender Tilopa, porque feio e bonito não fazem sentido para ele; pureza e impureza não fazem sentido para ele; bom e mau não fazem sentido para ele. Tilopa tem a compreensão do total.
O conhecimento é parcial. A compreensão é total.
E, quando vês o total, todas as distinções acabam-se.
Que é feio e que é bonito?
Que é bom e que é mau?
Todas as distinções simplesmente se acabam se tens uma visão do todo, como se estivesses a uma altura equivalente à do vôo de um pássaro; então todas as fronteiras desaparecem. É como olhar para baixo, de um aeroplano: onde está o Paquistão e onde está a Índia? E onde estão a Inglaterra e a Alemanha? Todas as fronteiras estão perdidas, toda a terra tornou-se uma coisa só.
E, se fores ainda mais alto, numa nave espacial, e olhares lá da lua, a terra inteira tornar-se-á muito pequena - onde está a Rússia e onde está a América? Quem é comunista e quem é capitalista? Quem é hinduísta e quem é muçulmano? Quanto mais alto subires, menos distinções haverá e, para além daquele ponto, o mais alto de todos, que é a compreensão, nada mais haverá.
Do ponto mais alto tudo se torna igual.
As coisas se juntam, fundem-se e tornam-se uma só,
as fronteiras se perdem...
Um oceano ilimitado, sem nascente
...infinidade.
A suprema compreensão
Transcende tudo isto e tudo aquilo.
A suprema ação
Contém grande produtividade, sem apego.
Tilopa diz que sejas desprendido e natural, mas não quer dizer, com isso, para seres preguiçoso ou para ires dormir. Pelo contrário, quando és desprendido e natural passas a ser muito produtivo. Tornas-te tremendamente criativo. Não haverá atividade em ti - a ação está contigo. Não serás obcecado pelo trabalho, mas te tornarás tremendamente produtivo, criativo. Farás milhões de coisas, não por causa de qualquer obsessão, mas porque estarás tão repleto de energia que terás de criar.
A criatividade flui espontaneamente em um homem que é desprendido e natural. Tudo quanto ele faz é criativo. Qualquer objeto por ele tocado faz-se uma peça de arte, qualquer palavra dita transforma-se em poesia. Seu próprio movimento é estético. Se vires um Buda caminhando, observa como mesmo seu andar é criativo, mesmo ao andar ele está criando um ritmo, mesmo em seu andar está formando um meio, uma atmosfera ao redor de si próprio. Se Buda ergue a mão, transforma o clima ao seu redor, imediatamente. Não que esteja fazendo essas coisas; elas simplesmente acontecem. Ele não é o que faz.
Calmo, interiormente em paz; tranqüilo, interiormente recolhido em si próprio,
repleto de infinita energia que derrama,
transbordando em todas as direções,
cada momento seu é um momento de criatividade,
de criatividade cósmica.
Lembra-te disso. Isso deve ser lembrado, porque muitas pessoas podem entender erroneamente. Podem pensar: - “Não há necessidade de atividade alguma” e, daí, concluem: - “não há necessidade de ação alguma”. A ação possui qualidade diferente, inteiramente diferente! A atividade é patológica.
Se fores a um hospício, verás as pessoas em atividade, cada louco fazendo alguma coisa, porque essa é a única forma através da qual conseguem esquecer-se de si próprios. Podes encontrar alguém que lave as mãos trezentas vezes por dia, porque acredita em limpeza. Na verdade, se não deixares que lave as mãos trezentas vezes por dia, ele não poderá aguentar-se, isso será demais para ele. Lavar as mãos é uma fuga.
Políticos, pessoas que andam à caça de fortuna e poder, são pessoas loucas. Não podes fazê-los parar, porque, se o fizeres, eles não saberão como viver, serão atirados a si mesmos e isso é demais para eles.
Um dos meus amigos estava me dizendo, certo dia, que ele e a esposa tiveram de ir a determinada festa. O casal tinha um filho pequeno, uma bela criança, e, naturalmente, ativa como as crianças costumam ser. Assim, fecharam-na no quarto, dizendo-lhe - “Se te comportares bem e não fizeres confusão na casa, terás tudo o que pedires; dentro de uma hora nós estaremos de volta.” A criança ficou, iludida: obteria qualquer coisa que pedisse. Portanto, comportou-se realmente bem. Na verdade, nada fez. Ficou simplesmente a um canto, porque “o que quer eu faça pode acabar mal... ninguém sabe, ninguém sabe o que há na mente dos adultos, o que é errado e o que é bom, eles também estão sempre mudando de opinião.” Portanto, lá permaneceu a criança, de olhos fechados, como um meditador.
Quando os pais, já de volta abriram a porta, a criança estava de pé, no canto. Abriu os olhos e olhou para eles, que perguntaram: - “Tu te comportaste bem?” A criança disse: - “Sim, eu me comportei bem; na verdade, nem podia me suportar.” Aquilo fora demais.
As pessoas demasiado ocupadas em atividades têm medo de si próprias. A atividade é uma espécie de escape; com ela podem esquecer-se de si mesmas. É alcoólica, intoxicante. A atividade tem de ser abandonada, porque é patológica; tu estás doente. A ação não deve ser abandonada; a ação é bela.
O que é a ação? A ação é a resposta, quando necessitas agir; quando não é necessário, relaxas. Mesmo agora continuas fazendo coisas que não são necessárias, e, mesmo agora, quando desejas relaxar, não o consegues. Um homem de ação, de ação total, age e, quando a situação está resolvida, relaxa.
Eu te estou falando. Falar tanto pode ser atividade como ação. Há pessoas que não podem parar de falar, e falam, falam, falam. Mesmo que as faças calar, não fará diferença alguma, por dentro. Continuarão tagarelando; não conseguem parar. Isso é atividade, obsessão febril. Tu estás aqui e eu falo contigo. E nem eu sei o que vou dizer-te. Até que a frase seja articulada, eu não tinha consciência do que ela viria a ser. Não só tu és o ouvinte, eu também sou o ouvinte aqui. Depois que eu disse algo é que sei o que disse. Nem tu nem eu podemos prever, nem eu posso prever o que vou dizer; a próxima frase nem mesmo está aqui, é a tua situação que a provoca.
Portanto, pelo que quer que seja que eu diga, não sou o único responsável. É meio a meio: tu crias a situação, eu ajo. Assim, se meu ouvinte muda, minha conversa muda. Depende do ouvinte, porque não é pré-formulada. Não sei o que vai acontecer e aí está porque para mim também é belo. É uma resposta, um ato. Quando te fores, eu me sentarei dentro da minha morada e nem mesmo uma só palavra flutuará no céu interior. A palavra és tu.
Por isso, às vezes acontece de as pessoas me procurarem dizendo: “Vamos fazer-te algumas perguntas e tu as responderás.” Isso acontece todos os dias. Quando tens uma certa pergunta a fazer, crias um clima em torno dela, vens repleto daquela pergunta. Então, que tenho eu a fazer? Tenho de responder. Tua pergunta cria a situação e eu tenho de responder. Por isso é que muitas das tuas perguntas são simplesmente respondidas. Se alguma delas não o for, a razão deve estar algures, em ti. Podes tê-la esquecido. Pela manhã ela estava em tua mente, mas, quando entraste nesta sala, te esqueceste. Ou havia muitas perguntas e não tinhas muita certeza quanto àquela que devias fazer: estavas confuso, vago, enevoado. Se tiveres certeza sobre uma pergunta, obterás a resposta.
Não é nada que venha da minha parte, simplesmente acontece. Tu crias a pergunta e eu, simplesmente, flutuo nela. Tenho de fazer isso, porque nada tenho para te dizer. Se eu tiver alguma coisa para te dizer, tu serás irrelevante. Seja qual for a pergunta que tiveres, não faria diferença - eu teria em mim aquilo que desejaria contar-te. Mesmo que ali não estivesses, não faria nenhuma diferença.
O All-India Radio costumava convidar-me a falar, mas eu sentia dificuldade porque era muito impessoal: falar para ninguém! Eu respondi, simplesmente: - “Isso não é para mim. Cansa muito e não sei o que fazer - não há ninguém ali.” Assim, propuseram outra coisa. Disseram: - “Isto pode ser feito: nosso pessoal, algumas pessoas, vêm e sentam-se à tua frente.” Mas eu lhes disse: - “Então não me dêem o assunto, porque essas pessoas é que me darão o assunto. Será totalmente irrelevante ter gente sentada aqui, se vocês tiverem definido o assunto e ninguém estiver envolvido por esse assunto. Será uma audiência morta.”
Quando estás presente, crias a pergunta, crias a situação e a resposta flui em tua direção. É um fenômeno pessoal. Então, simplesmente, recusei-me a ir e disse: - “Isso não é para mim, isso não é possível. Não posso falar a máquinas, porque elas não criam situação alguma para que eu possa flutuar nelas. Eu só posso falar a pessoas.”
Eis por que nunca escrevi um livro. Não posso! Para quem? Quem o lerá? A não ser que eu conheça o homem que o lerá e a não ser que ele crie uma situação, não posso escrever - para quem escreveria? Escrevi apenas cartas, porque, então, sei que estou escrevendo a alguém. Esse alguém pode estar longe, nos Estados Unidos, não faz diferença - no momento em que lhe escrevo uma carta, o fenômeno é pessoal e ele ali está. Enquanto lhe escrevo, ele me ajuda a escrever. Sem ele, não é possível; é preciso haver um diálogo.
Isso é ação. No momento em que te vais, toda a linguagem desaparece: em mim não há palavras flutuando, não são necessárias. E deve ser assim! Quando andas, usas as tuas pernas e, quando te sentas numa cadeira, para que precisa mover as pernas? Isso é loucura! Quando há um diálogo, as palavras são necessárias; quando há uma situação, a ação é necessária - mas deixa que o Todo decida isso, tu não deves ser o fator da decisão, tu não deves decidir. Assim não há carmas e passa ileso por todos os momentos. O passado morre por si mesmo a cada momento, o futuro nasce e tu passas para ele, tão novo quanto uma criança.
A suprema ação
contém grande produtividade, sem apego.
A ação acontece, mas não há o apego; tu não dizes: - “Eu fiz isso”. Eu não sinto que disse algo; eu sinto apenas que algo foi dito, aconteceu. O Todo o fez e o Todo não sou eu, nem tu - o Todo é ambos e nenhum; o Todo ronda em torno e o Todo decide. Tu não és aquele que faz. Muita coisa acontece através de ti, mas não és aquele que faz. Muito é criado através de ti, mas não és o criador. O Todo permanece como criador; tu te tornas simplesmente o veículo, meio para o Todo.
Um bambu oco
e o Todo põe seus dedos e seus lábios nele
e ele se torna uma flauta, e uma canção nasce.
De onde vem essa canção? Daquele bambu oco a que chamas “flauta”? Não. Dos lábios do Todo? Não. De onde vem? Tudo está envolvido: o bambu oco está envolvido, os lábios do Todo também estão envolvidos, o cantor está envolvido, o ouvinte está envolvido, tudo está envolvido. Mesmo uma pequena coisa cria uma diferença.
Uma rosa é colocada num aposento, e já aquele aposento não é o mesmo, porque a rosa tem sua própria aura, seu próprio ser. Influenciará tua compreensão, influenciará o que quer que eu diga - o total é que se move, não as partes. Muito acontece, mas ninguém é aquele que faz.
...grande produtividade, sem apego
E, não sendo tu aquele que faz, como pode acontecer o apego? Fazes uma pequena coisa e te apegas. Dizes: - “Eu fiz isto”. Gostarias que toda a gente soubesse que fizeste isto, ou aquilo. Esse ego é a barreira para a suprema compreensão. Abandona aquele que faz e deixa que as coisas aconteçam. Isso é o que Tilopa quer dizer quanto a ser desprendido e natural.
A suprema realização
é compreender a imanência sem esperança.
Isso é muito profundo, muito sutil e delicado. Tilopa diz: - “Qual é a realização suprema? É compreender a imanência sem esperança: no interior, o espaço interno é perfeito, absoluto - sem esperança.” Por que usa ele a palavra “esperança” aqui?
Porque com a esperança vem o futuro,
com a esperança vem o desejo,
com a esperança vem o esforço para progredir,
com a esperança vem a avidez para ter mais,
com a esperança vem o descontentamento -
e, então, como é natural, surge a frustração.
Ele não está dizendo para te desesperançares, porque isso também te liga à esperança. Ele está dizendo, simplesmente, “sem esperança”; não-esperançoso, não-desesperançado - porque ambas essas coisas se originam da esperança. Isso tornou-se um grande problema para o Ocidente, porque Buda também usa essa expressão e, então, os pensadores ocidentais passaram a achar que essas pessoas são pessimistas. Não o são. Não são pessimista, não são otimistas. E essa é a significação do “sem esperança”.
Se alguém tem esperança, nós o chamamos otimista, dizemos que ele pode ver um revestimento prateado na mais escura nuvem, dizemos que ele pode ver a manhã seguindo-se à mais trevosa noite: ele é um otimista. E, depois, há o pessimista, exatamente o oposto dele. Em torno do mais brilhante revestimento prateado, ele sempre verá a nuvem mais escura. E se lhe falares da manhã ele dirá: - “Toda manhã termina na noite.” Mas recorda-te: eles podem ser opostos, mas não estão realmente separados; seu foco é diferente, mas sua mente é a mesma. Quer vejas o revestimento brilhante, o revestimento prateado, na mais escura nuvem, ou vejas a nuvem escuras em torno do revestimento prateado, sempre vês a parte, tua divisão ali está; tu escolhes, nunca vês o total.
Buda, Tilopa e eu próprio não somos pessimistas nem otimistas: simplesmente deixamos de lado a esperança. Com a esperança ambos surgem - o otimista, o pessimista. Nós, simplesmente, deixamos de lado a cunhagem da esperança; e ambos os aspectos desaparecem com ela. Essa é uma dimensão totalmente nova, difícil de entender.
Tilopa vê as coisas em sua inteireza, não tem escolha.
Vê tanto a manhã como a noite, juntas,
vê tanto a dor como o prazer, juntos,
vê tanto o nascimento como a morte, juntos.
Não tem escolha própria.
Não é pessimista, nem otimista -
ele vive sem esperança.
E essa é realmente, uma dimensão maravilhosa para nela se viver: viver sem esperança. Só pelo uso da expressão “sem esperança” sentes, dentro de ti que isso é algo pessimista, mas isso só acontece por causa da linguagem. O que Tilopa está dizendo está para além da linguagem. Ele diz: A suprema realização é compreender a imanência sem esperança. Tu, simplesmente, compreendes a ti mesmo em tua total inteireza, tal como és; e, simplesmente, és aquilo! Não há necessidade de qualquer melhoramento, desenvolvimento, crescimento - não há necessidade.
Nada se pode fazer nesse sentido.
Assim é, simplesmente.
Desde que compreendas isso profundamente, de repente, todas as flores e todos os espinhos desaparecerão, os dias e as noites desaparecerão, a vida e a morte desaparecerão, o verão e o inverno desaparecerão. Nada ficará - porque o apego desapareceu. Se aceitas o que és, como és, não há mais problemas, nem perguntas, nada a ser solucionado - tu, simplesmente, és aquilo. Então, vem a celebração, mas não de esperança. Essa celebração é somente um transbordamento de energia. Começas a florescer, não em direção a algo que está no futuro, mas porque não podes agir de outra maneira.
Quando alguém compreende a inteireza do ser, o florescimento começa; esse alguém vai florescendo, florescendo, e celebrando, mas não por qualquer causa visível. Por que sou feliz? Que tenho eu que tu não tenhas? Por que sou sereno e tranqüilo? Consegui algo que tu não conseguiste? Cheguei a alguma coisa a que tu não chegaste? Não. Eu, simplesmente, relaxei, na inteireza. Seja eu o que for - bom, mau, moral, imortal - seja o que eu for, simplesmente relaxei nessa inteireza. E abandonei todos os esforços para melhorar e abandonei todo o futuro. Abandonei a esperança e com o abandono da esperança tudo desapareceu. Estou sozinho e simplesmente feliz, sem qualquer motivo; simplesmente silencioso agora, sem esperança. Não sei como criar qualquer perturbação. Sem esperança, como podes criar qualquer perturbação em teu ser?
Lembra-te disto: todo esforço te leva a um ponto no qual tu deixas todo o esforço e ficas sem esforço. E toda pesquisa te leva a um ponto em que simplesmente encolhes os ombros e te sentas sob uma árvore, instalado ali.
Cada viagem termina na mais profunda inteireza do ser - e obténs isso a todo momento. Portanto, trata-se apenas de uma questão: tornar-te um pouco mais consciente. Que há de errado contigo? Vi milhões de pessoas, mas não vi uma só que realmente tivesse algo errado: ela é que criava o erro. Tu és o criador, grande criador de doenças, erros, problemas até que, então, os repeles - como solucioná-los? Primeiro tu os crias, e então começas a expulsá-los. Por que começar por criá-los?
Basta que abandones a esperança, o desejo, e simplesmente vejas o que és; apenas fecha teus olhos e vê quem tu és, e só! Mesmo num pestanejar é possível fazer isso, não há necessidade de tempo. Se estás pensando que demanda tempo, crescimento gradual, então isso é coisa da tua mente - tu precisarás de tempo; mas, de outra maneira, o tempo não é necessário.
A suprema realização é compreender a imanência... Isso é o que deve ser alcançado, e é inerente a ti. Essa é a significação da imanência: tudo o que deve ser alcançado já está dentro de ti. Nasceste perfeito; nem podia ser de outra forma, porque és nascido do perfeito. Isso foi o que Jesus quis dizer quando falou: - “Eu e meu Pai somos um”. Que estava ele dizendo? Estava dizendo que não podes ser senão o Todo, porque provéns do Todo!
Podes tomar um punhado de água do oceano e prová-la: o gosto é o mesmo em todo o oceano. Numa simples gota de água do mar, podes encontrar toda a química do mar. Se compreenderes uma simples gota de água do mar, compreenderás todos os mares, no passado, no presente, no futuro - porque a pequena gota é uma miniatura do oceano. E tu és o Todo em forma de miniatura.
Quando entras profundamente em teu interior e compreendes isso, de súbito, o riso aparece; tu começas a rir. Que estás procurando? O próprio autor da procura é objeto da procura, o próprio viajante é o ponto de chegada. Essa é a supersuprema realização: compreender a si próprio, a absoluta perfeição de si próprio - sem esperança. Porque, se houver esperança, ela se movimentará, continuamente se movimentará em tua perturbação. Começarás a pensar novamente: - “Algo mais é possível.” A esperança cria sonhos: - “Algo mais é possível. Naturalmente, isso é bom...”
As pessoas procuram-me e dizem: - “A meditação está indo muito bem; naturalmente, isso é bom; mas dá-nos uma outra técnica de forma que possamos progredir mais.” Às vezes, as pessoas me dizem: - “Tudo é belo!” E, então, acrescentam: - “E agora?” Agora a esperança se movimenta. Se tudo é belo, então por que perguntam: - “E agora?” Quando tudo estava errado perguntavam: - “E agora?” Agora, que tudo é belo, de novo perguntam: - “E agora?” Agora, deixem disso, dessa esperança!
Um dia destes, alguém chegou e disse: - “Tudo está indo maravilhosamente agora, mas quem sabe o que será amanhã?” Por que trazer o amanhã quando tudo está absolutamente certo? Não podem passar sem problemas? Agora tudo é bom, mas preocupam-se em saber se amanhã será bom ou não. Se hoje é bom, de onde virá o amanhã? Ele nascerá do hoje; portanto, por que se afligir? Se o hoje é silencioso, o amanhã será mais silencioso, pois nascerá do hoje. Mas, por causa de tua aflição, podes destruir o hoje e, então, virá o amanhã e verás cumprida a tua frustração. E dirás: - “Era nisso que eu estava pensando, era com isso que eu me preocupava.” E aquilo só aconteceu por tua causa. Não ia acontecer! Se tivesses permanecido sem futuro, aquilo não teria acontecido.
Essa é a tendência autodestrutiva da mente, a tendência suicida. E, de certa forma, ela se auto-realiza, de modo que a mente sempre pode dizer: - “Eu te avisei antes, eu te avisei com antecedência e tu não me ouviste.” Agora, pensarás: - “Sim, é certo; a mente me esteve avisando e eu não a ouvi.” Mas aconteceu apenas por causa do aviso da mente.
Muitas coisas acontecem... Supõe que vás aos astrólogos, jyotishi, palmistas, e eles te dizem alguma coisa; quando essa coisa acontecer, pensarás que eles previram teu futuro. Dá-se exatamente o oposto: pelo fato de terem previsto, tua mente se fixa naquilo, e o caso acontece. Se alguém disser que morrerás no dia 13 de março, será possível que morras. Não porque esse alguém conhecia teu futuro, mas porque predisse teu futuro. Então, o dia 13 de março fica dando voltas em tua mente, continuamente: não podes dormir sem pensar nele, não podes sonhar sem que esteja presente, não és capaz de amar sem ele. Durante vinte quatro horas por dia pensarás: - “No dia 13 de março vou morrer.” Isso acabará por tornar-se uma auto-hipnose, um cantochão. Dará voltas e mais voltas e, quanto mais o dia 13 de março se aproximar, mais rápidas serão essas voltas. E acabará por acontecer: 13 de março...
Certa vez aconteceu de um palmista, um quiromante, predizer sua própria mente. Fizera previsões sobre a morte de várias pessoas, e elas se cumpriram, de modo que se convenceu de que havia algo de correto em suas predições. De outra forma, por que estariam elas acontecendo? Como estava envelhecendo, alguns amigos lhe disseram: - “Por que não fazer uma predição para ti próprio?” Assim, ele estudou a própria mão, as cartas e tudo o mais - coisas tolas, todas; então, decidiu que sua própria morte ocorreria em tal e tal data, às seis horas da manhã. E ficou à espera. Aproximava-se das seis horas e, desde as cinco estava pronto; a cada momento, a morte se adiantava, mais e mais. E, então, chegou o último momento: um instante mais e o relógio marcaria as seis horas, contudo ele ainda estava vivo. Como era possível? Os segundos começaram a passar e, quando o relógio marcou exatamente seis horas, ele se atirou pela janela. Porque, como era possível? Naturalmente, morreu, tal como previra.
A mente possui um mecanismo de auto-realização. Sê alerta a respeito disso. Tu estás feliz e tua mente diz: - “Naturalmente tu estás feliz, muito bem, mas e amanhã?” Nesse instante, a mente destrói aquele momento, já trouxe para ele o amanhã. Agora o amanhã virá daquela mente e não do momento feliz que nela havia antes.
Não esperes, de uma forma ou de outra, contra ou a favor; abandona toda esperança. Permanece aqui, no momento, para o momento, com o momento, pelo momento. Não há outro momento como este. E, seja que for que vá acontecer, acontecerá fora deste momento; portanto, por que te afliges? Se este momento é belo, como pode ser feio o próximo momento? De onde virá ele? Ele aumenta, ele será mais belo - tem de ser. Não há necessidade de pensar nele.
E quando consegues realizar isso, permaneces em tua inata perfeição... Lembra-te, tenho de usar palavras e há o perigo de que não me entendas corretamente. Quando eu digo “permanece com tua perfeição interior” podes preocupar-te porque, às vezes, sentes que não és perfeito. Nesse caso, permanece na tua imperfeição. A imperfeição também é perfeita! Nada há de errado com ela, permanece com ela. Não te afastes deste momento; aqui e agora está toda a existência. Tudo o que tem de ser realizado deve ser realizado aqui e agora, de modo que, seja qual for o caso, mesmo que te sintas imperfeito, sê imperfeito! Tu és assim, essa é a tua inteireza. Sentes-te sexual? Perfeito, sentes-te sexual; assim tu és, assim Deus quis que fosses. Triste? Belo! Sê triste, mas não te afastes do momento.
Permanece com o momento e, aos poucos, sentirás que a imperfeição se dissolveu em perfeição, o sexo se dissolveu em êxtase interior, a cólera se dissolveu na compaixão.
Se podes ficar neste momento com o teu ser total, então não há problema. Essa é a suprema realização. Ela não tem esperança, não precisa ter. É tão perfeita que não precisa ter esperança. A esperança não é uma boa coisa: esperar sempre significa que há algo errado contigo - por isso, esperas pelo contrário, pelo oposto. Estás triste e esperas felicidade; tua esperança diz que estás triste. Sentes-te feio e esperas uma bela personalidade; tua esperança diz que és feio. Mostra-me a tua esperança e eu poderei dizer-te quem és, porque a tua esperança imediatamente revela quem és - exatamente o oposto. Abandona a esperança e sê, apenas. Se tentares apenas “ser”, isso acontecerá.
De início o iogue sente que sua mente
se está despencando como uma cascata;
a meio curso, como o Ganges,
ela flui, lenta e suavemente;
ao fim
é um grande, um vasto oceano
onde as luzes da mãe e do filho fundem-se numa só.
Se estás sendo, aqui e agora, o primeiro satori acontecerá, o primeiro vislumbre da Iluminação. E esta será a situação interior: De início o iogue sente que sua mente se está despencando como uma cascata... porque a mente começa a dissolver-se. Agora, ela se parece a um nevoeiro gelado. Se permaneceres desprendido e natural, fiel ao momento autenticamente aqui e agora, a mente começará a dissolver-se. Levaste-lhe energia solar. Isso de seres aqui e agora conserva uma energia assim; sem te voltares para o futuro, sem te voltares para o passado, tens tal energia em ti, que essa própria energia começa a dissolver a mente.
A energia é fogo, a energia é do sol. Quando não te estás dirigindo para parte alguma, quando estás completamente imóvel, aqui e agora, sem te moveres, convergindo para ti mesmo, todo vazamento cessa; porque o vazamento surge através do desejo e da esperança. Tens um vazamento por causa do futuro, tens um vazamento por causa de uma motivação: - “Faze alguma coisa, sê alguma coisa, tem alguma coisa; por que estás perdendo tempo aí sentado? Vai! Move-te! Faze!” - então há um vazamento. Se estiveres simplesmente aqui, como poderás vazar? A energia converge, retorna para ti, torna-se um círculo de fogo - e, então, o nevoeiro da mente começa a dissolver-se.
De início o iogue sente que sua mente
se está despencando como uma cascata.
Tudo cai. Toda a mente está caindo, caindo, caindo - podes ficar assustado. Durante o primeiro satori precisarás do Mestre muito profunda e intimamente, porque, a não ser ele, quem te dirá: - “Não temas; isto é belo - cai?”
Basta a palavra “cai” e o medo aparece, porque cair significa cair num abismo, perder seu apoio no chão, passar para o desconhecido. E a queda traz, consigo, uma impressão de morte; e é quando a pessoa sente medo.
Já foste às montanhas - a um pico bem alto -, e dali olhaste para o abismo, o vale; náusea, tremor e medo vêm, como se o abismo fosse a morte e pudesses cair nele. Quando a mente se dissolve, tudo começa a cair, tudo, digo-te eu. Teu amor, teu ego, tua avidez, tua cólera, teu ódio. Tudo quanto foste até então, de repente, começa a se tornar desprendido e a tombar - como se uma casa se estivesse desmoronando - e tu te tornas um caos, não há mais ordem, toda a disciplina caiu. De alguma forma, tu te vinhas mantendo, de alguma forma estavas inteiro, forçando o controle sobre ti mesmo, uma disciplina. Agora, sendo desprendido e natural, tudo está caindo. Muitas coisas antes suprimidas borbulham, vêm à tona, e tu encontrarás o caos por toda a parte; tu ficarás como um louco.
O primeiro passo é realmente difícil de ser transporto, porque, tudo o que a sociedade forçou em ti cairá, tudo o que aprendeste cairá, todos os teus condicionamentos cairão. Todos os teus hábitos, todas as tuas direções, todos os teus caminhos simplesmente desaparecerão. Tua identidade se evaporará, não poderás saber quem és. Até aquele momento sabias bem quem eras, teu nome, tua família, teu status no mundo, teu prestígio, tua honra, isto e aquilo: tinhas consciência de tudo isso. Mas, subitamente, tudo se estará dissolvendo, a identidade perder-se-á. Tu eras sensato, segundo as regras do mundo; elas se estão desvanecendo e tu te sentes completamente ignorante.
Isto foi o que aconteceu a Sócrates. Seu primeiro momento de satori foi quando ele disse: - “Agora eu sei apenas uma coisa: que nada sei. Só um conhecimento eu tenho, o de que sou um ignorante!” Esse é o primeiro satori.
Os sufis têm uma expressão particular para esse homem, esse tipo de homem, que chega àquele estado: chamam-no mast, louco. Ele te olha, sem olhar para ri. Perambula, sem saber para onde vai. Diz tolices. Não pode manter coerência no que fala - diz uma palavra, um intervalo, e a seguir outra palavra que nada tem a ver com a primeira; uma sentença, depois outra sentença, mas nada de conexão entre elas; não há coerência, toda consistência perdeu-se. Ele se torna uma contradição, não podes confiar nele.
Para esses momentos uma escola é necessária; uma escola onde haja quem possa tomar conta de ti. Os ashrams vieram a existir por causa disso - porque um homem nesse estado não pode ficar em sociedade, pois pensarão que está louco e o forçarão a ir para uma prisão ou para um hospício, tentarão tratar dele. Tentarão trazê-lo de volta, de volta ao seu estado normal - contudo ele está crescendo! Rompeu todas as cadeias da sociedade, tornou-se um caos.
Daí a minha insistência na meditação caótica. Ela te ajudará a chegar a esse primeiro satori. Não serás capaz de sentar-te silenciosamente desde o princípio: podes iludir-te a esse respeito, mas não serás capaz de sentar-te silenciosamente; não é possível, só acontece no segundo satori. No primeiro satori, tens de estar caótico, dinâmico, tens que deixar que tuas energias se movimentem, de forma que todas as camisas de força em torno de ti se rompam e todas as cadeias sejam repelidas. Pela primeira vez te tornas um estranho, não és mais parte da sociedade. Uma escola se faz necessária; uma escola onde cuidem de ti. Um Mestre é necessário, para dizer-te: “Não tenhas medo.” Que possa dizer-te: “Cai facilmente, deixa que isso aconteça, não te agarres a coisa alguma, porque só retardarás o momento - cai!” Quanto mais cedo tombares, mais cedo a loucura desaparecerá; se adiares, então a loucura poderá durar por muito tempo.
Há milhões de loucos em hospícios, em todo o mundo, que não estão realmente loucos; precisavam de um Mestre e não de um psicoterapeuta. Atingiram seu primeiro satori e todas as psicoterapias os estão forçando de volta, os estão forçando a serem normais. Estão em melhor situação do que tu; atingiram o crescimento, mas o crescimento é demorado - no início é assim mesmo, eles estão passando pelo primeiro satori - e foram tidos como culpados. Dizem-lhes: - “Tu estás louco!” - e eles tentam esconder isso, tentam agarrar-se e, quanto mais longamente se agarrarem, mais longamente a loucura perdurará.
Só recentemente alguns psicanalistas, particularmente R. D. Laing, tornaram-se conscientes do fenômeno; do fato de alguns loucos não terem descido abaixo do normal, e sim, realmente, passado para além do normal. Só algumas pessoas, no Ocidente, pessoas muito perceptivas, conscientizaram-se disso - mas no Oriente sempre houve essa consciência; o oriente jamais suprimiu os loucos. A primeira coisa que o Oriente faz é levar os loucos a uma escola onde muitas pessoas estão trabalhando e um Mestre vivo está presente. A primeira coisa é ajudá-las a atingir um satori.
No Oriente, os loucos têm sido altamente respeitados; no Ocidente, eles são simplesmente condenados, forçados a receber choques elétricos, choques de insulina, forçados de uma forma ou de outra, chegando mesmo a terem seus cérebros destruídos - porque agora existem cirurgias em ação. Seus cérebros são operados e algumas partes dele removidas. Eles se tornam normais, naturalmente, mas apáticos, idiotizados; sua inteligência se perdeu. Já não estão loucos, não farão mal a ninguém; tornaram-se uma parte silenciosa da sociedade - mas vós os matastes, sem saber que estavam alcançando um ponto a partir do qual um homem se torna sobre-humano. Mas, naturalmente, é preciso passar pelo caos.
Com um Mestre amoroso e um amoroso grupo de pessoas, numa escola, num ashram, o caos é facilmente superado, pois todos tomam o caso com facilidade e ajudam; a pessoa passa, sem dificuldades, para o segundo estágio. O caos é necessário porque toda ordem é imposta, e não é uma ordem real. Toda disciplina é forçada, e não é a tua disciplina interior. Antes que chegues ao interior, o exterior tem de ser abandonado; antes que uma nova ordem nasça, a velha tem de cessar - e haverá um intervalo. Esse intervalo é a loucura. A pessoa se sente como quem despenca, como uma cascata que despenca para o abismo, e esse abismo parece não ter fim.
A meio curso, se esse ponto for passado, se o primeiro satori for vivido, então uma nova ordem surgirá, vinda do interior, vinda de teu próprio ser. Isso já não pertence à sociedade, não te é dado por outros, não é um aprisionamento. Agora, uma nova ordem surge e tem a qualidade de uma libertação. Vem uma disciplina, naturalmente; ela é tua, ninguém a impõe, ninguém diz: - “Faze isto!” Tu, simplesmente, fazes o que é certo.
A meio curso, como o Ganges, ela flui, lenta e suavemente.
O despencar torritruante da cascata desapareceu, o caos já não existe. Esse é o segundosatori. Tu te tornas como o Ganges, fluindo suave e lentamente; nem mesmo um som é criado. Tu caminhas como um noivo, silenciosa, graciosamente; um encanto absolutamente novo acontece em teu ser - graça, elegância. Esse é o segundo estágio, no qual captamos todos os Budas, nas estátuas; o terceiro não pode ser captado, só o segundo ou o primeiro.
Vai e observa todas as estátuas dos Budas e Teerthancaras: a elegância, a graça, a redondeza sutil e feminina de seus corpos. Não parecem masculinos, parecem femininos: têm uma redondeza, umas curvas que são femininas, o que mostra que seu ser interior tornou-se muito tranqüilo, muito delicado; nada há de agressivo neles.
Mestres Zen, como Bodhidharma, Rinzai, Bokojum têm sido representados no primeiro estágio e por isso parecem tão ferozes; assemelham-se a leões rugidores, dão a impressão de que irão matar-te. Quando olhares para seus olhos, tens a impressão de que são vulcões, o fogo salta sobre ti, são como choques. Foram reproduzidos no primeiro satori, porque os adeptos Zen sabem que esse é o primeiro problema e, se conheceres Bodhidharma nesse estado, quando o mesmo estado te acontecer, compreenderás que não precisas temer, pois até para Bodhidharma... Mas, se estiveste, realmente, observando Budas e Teerthankaras em seus silenciosos e lentos rios e em sua graça feminina, ficarás muitíssimo assustado, quando a ferocidade se fizer presente em ti, quando te tornares um leão: começas a rugir, passaste a ser uma tremenda cascata.
Por isso é que, em Zen, o estado feroz foi reproduzido, mais e mais. Naturalmente há Budas nos santuários, mas esse é o estágio seguinte. E não é, absolutamente, um problema. Na Índia, o segundo estágio tem sido superenfatizado e tornou-se uma barreira, porque as pessoas deveriam saber, desde o princípio, como são as coisas. Um Buda é um ser já realizado. Pode acontecer contigo, mas, no intervalo que há entre ti e Buda, algo mais acontecerá - a loucura completa.
Que acontece quando aceitas todas as loucuras, quando deixas que venham? Elas desaparecem por si mesmas. A velha ordem, que a sociedade forçou sobre ti, simplesmente se evapora, o velho conhecimento já não existe. Há um quadro de um monge Zen queimando todas as escrituras - esse quadro é um dos mais famosos - isso acontece no primeiro estágio. A pessoa queima todas as escrituras, repele todos os conhecimentos, tudo o que te foi dado parece refugo, podridão. Tua própria sabedoria está surgindo e não há necessidade de pedi-la de empréstimo a ninguém. Mas isso tomará um pouco de tempo, tal como a semente precisa de tempo para brotar.
Se conseguires passar pelo estado caótico, então o segundo se seguirá muito, muito facilmente, por sua livre iniciativa. Tu te tornarás silencioso; tudo se acalmou, tal como o Ganges quando atinge as planícies. Nas montanhas ele ruge como um leão, tombando de grandes alturas para as profundezas; em muitos torvelinhos, e, então, chega à planície - deixou as montanhas - o terreno se transforma, agora tudo flui silenciosamente. Não podes sequer perceber se ele está ou não fluindo, porque tudo se move como se não se estivesse movendo, facilmente.
Alcança a realização interior,
Inata, sem esperança - sem ir a qualquer alvo,
Sem pressa, sem precipitação;
Aprecia, apenas... cada momento.
Como o Ganges, ela flui, lenta e suavemente.
Esse segundo estágio tem a qualidade do absoluto silêncio, calma, quietude, tranqüilidade, recolhimento, integração no lar, repouso, relaxamento.
E então:
Ao fim é um grande, um vasto oceano,
Onde as luzes da mãe e do filho fundem-se numa só.
Então, subitamente, fluindo em silêncio, ele alcança o oceano e torna-se um com o oceano - vasta expansão sem fronteiras. Agora já não é um rio, agora já não é um indivíduo, uma unidade, agora não existe ego.
Mesmo no segundo estágio há um ego, muito, muito sutil. Os hindus têm dois nomes: um éahamkar, ego, aquilo que tens; o segundo é asmita, o não-ego. Quando dizes “eu sou”, não o “eu”, mas simplesmente o “sou”, “qualidade de sou”, isso é o que eles chamam asmita. É um ego muito, muito silencioso; ninguém o sentirá, ele é muito passivo, não agressivo. Não deixará qualquer traço em parte alguma, mas ainda está ali. Sente-se que está.
Por isso que dizemos “o segundo satori”: o Ganges está fluindo em curso silencioso, à vontade, em paz, mas ainda está; isso é asmita, é “qualidade de sou”. O “eu” desapareceu e toda a loucura do “eu” se foi; o agressivo, o feroz “eu” já não existe, mas uma “qualidade de sou” muito silenciosa continua, porque o rio tem margens e o rio tem fronteiras. Ainda é separado, tem sua própria individualidade.
Com o ego a personalidade também cai, mas a individualidade permanece. A personalidade é a individualidade exterior. Individualidade é a personalidade interior. A personalidade é, para os outros, uma coisa de espetáculo, uma exibição. Mas o sentimento interior, aquele “eu sou”, ou antes, “sou”, não é uma exibição, ninguém será capaz de vê-lo. Ele não interferirá na vida de ninguém, não meterá o nariz nos negócios alheios. Simplesmente se move, mas ainda está ali, porque o Ganges existe como indivíduo.
Então, também a individualidade se perde. Essa é a terceira palavra: atma. Ahamkar é o ego, a “qualidade de eu”; o “sou” é apenas uma sombra dele; o “eu” está em foco. Então, no segundo estado, asmita, o “eu” desapareceu, agora o “sou” tornou-se total, já não é uma sombra. E vem o atma e a “qualidade de sou” também desaparece.
Isso é o que Tilopa chama o não-eu. Tu és, mas sem qualquer eu; tu és, mas sem qualquer fronteira. O rio tornou-se oceano, o rio está no oceano, tornou-se um com ele. A individualidade já não existe, não há fronteiras, mas o ser existe como um não-ser. Tornou-se uma grande vacuidade. Tornou-se tal como o céu.
O ego era como nuvem negra cobrindo todo o céu. A “qualidade de sou”, asmita, era como nuvem branca no céu. E atma é como o céu sem nuvens; só o céu permanece.
Ao fim, é um grande, um vasto oceano.
onde as luzes da mãe e do filho fundem-se numa só.
Quando voltas à fonte original, à mãe, o círculo está completo. Voltaste ao lar, e te dissolveste na fonte original. O Ganges chegou ao Gangotri, o rio voltou à sua fonte original: o círculo completou-se. Agora, és, mas num sentido tão totalmente diferente que é melhor dizer que não és.
Esse é o mais paradoxal dos estados; é muito difícil expô-lo em linguagem ou expressão. É preciso provar dele. Isso é o que Tilopa chama Mahamudra, o grande orgasmo, o orgasmo definitivo, o supremo orgasmo. Voltaste para o lugar de onde vieste. A viagem está terminada, e, não só a viagem está terminada, mas também já não existe o viajante. A viagem não está terminada apenas como um caminho, mas a meta também terminou.
Agora, nada existe e tudo é.
Lembra-te dessa distinção. Uma mesa existe, uma casa existe - mas Deus é; porque uma mesa pode ir para a não-existência, uma casa pode ir para a não-existência, mas Deus não pode. Por isso não é bom dizer que Deus existe; Deus, simplesmente, é. Não pode ir para a não-existência. É a pura “qualidade de ser”. Isso é Mahamudra.
Tudo o que existia desapareceu; só a “qualidade de ser” existe.
O corpo desapareceu, ele existiu. A mente desapareceu, ela existiu. O caminho desapareceu, ele existiu. A meta desapareceu. Tudo o que existia desapareceu - só a pureza da “qualidade de ser” ali está... um espelho vazio, um ser vazio.
Isso é o que Tilopa chama Mahamudra. Isso é o supremo, o derradeiro; não há nada para além. É o próprio “além”.
Lembra-te desses três estágios: terás que passar por eles. Caos, tumulto, já não te identificas com coisa alguma, tudo se tornou solto e rompeu-se - estás completamente louco. Observa e deixa que isso te aconteça, não tenhas medo; e quando eu aqui estiver não precisas ter medo. Eu sei que isso passará, sei que sempre passa, posso garantir-te. E, a não ser que passe, a graça, a elegância, o silêncio de um Buda não acontecerão contigo.
Deixa que passe. Será como um pesadelo, naturalmente, mas deixa que passe. Através desse pesadelo, todo o teu passado será purificado, haverá uma tremenda catarse. Todo o teu passado passará através do fogo, mas tu serás transformado em ouro puro.
Então, vem o segundo estágio. O primeiro tem de ser transposto; mas podes ter medo e fugir dele. O segundo também possui um diferente tipo de perigo, um tipo inteiramente diferente: não é um perigo. O primeiro tem de ser superado, tens que ter consciência de que ele passará, só é preciso tempo e confiança. O segundo é de um tipo diferente de perigo: gostarias de te agarrar a ele, porque é belo; gostarias de estar assim para todo o sempre. Quando o rio interior flui calmo e tranquilo temos o desejo de agarrarmo-nos às margens, não ir a lugar algum, pois ali está tudo tão bem. De certa forma é um grande perigo.
Um Mestre tem de garantir-te que o primeiro estado passará e tem de forçar-te para que não te apegues ao segundo estado. Porque, se te apegas, Mahamudra jamais te acontecerá. Há muitas pessoas apegadas ao segundo estado, estão suspensas nele. Há muitas pessoas suspensas no segundo estado, porque se tornaram muito presas a ele. É tão belo - as pessoas querem se apaixonar por ele e automaticamente se apaixonam. Consciente, permanece consciente - o segundo estágio também tem de ser superado. Observa, assim não começarás a apegar-te.
Se puderes, observa teu medo no primeiro e tua avidez no segundo... Lembra-te, o medo e a avidez são duas formas, de mesma cunhagem. No medo, queres escapar de algo; na avidez, queres agarrar-te a esse algo - mas ambos são a mesma coisa. Observa o medo, observa a avidez e deixa que o movimento continue; não tentes detê-lo. Podes ficar estagnado e, então, o Ganges se torna, não mais uma coisa que flui, mas um poço imóvel; por muito bonito que seja, depressa estará morto. Ficará sujo, logo secará e tudo o que foi ganho será perdido.
Continua caminhando. O movimento tem de ser eterno - conserva isso em mente - é uma viagem sem fim; mais é sempre possível, deixa que aconteça. Não esperes, não peças, não passes à frente de ti próprio, mas deixa que aconteça. Porque, então, chega o terceiro perigo - quando o Ganges deságua no oceano - , e esse será o último, porque te estarás perdendo de ti próprio.
Essa é a última morte. Aparece como a última morte. Mesmo o Ganges freme, fica trêmulo, antes de desaguar; mesmo o Ganges olha para trás, pensa em lembranças e em dias passados e no tempo bonito, sobre as planícies, no tremendo fenômeno da energia nas montanhas e nos nevoeiros. No último momento, quando o Ganges está prestes a entrar no oceano, ele se demora um pouco mais. Quer olhar para trás, pensar em lembranças, em belas experiências. Isso também tem de ser observado. Não te demores.
Quando o oceano chegar, deixa-te imergir, dissolver, desaparecer.
Só no último ponto podes dizer adeus ao Mestre, nunca antes. Dize adeus ao Mestre e torna-te o oceano. Mas até esse momento precisas da mão de alguém que sabe.
Há uma tendência em tua mente para evitar o relacionamento íntimo com o Mestre e isso torna-se uma barreira ao tomar sannyas. Gostarias de te conservares sem compromisso; gostarias de aprender, mas gostarias de permanecer sem compromisso. Mas não podes aprender assim, essa não é a forma; não podes aprender do exterior. Tens de entrar no santuário interior do ser do Mestre. Tens de tomar o compromisso. Sem isso não poderás crescer.
Se assim não for, poderás aprender um pouco, aqui e ali, acumular certo conhecimento - mas isso em nada ajudará; ao contrário, será um embaraço. Um profundo compromisso é necessário; um compromisso total, na verdade, porque muitas coisas vão acontecer. Se estiveres no exterior, na periferia, apenas aprendendo como um visitante casual, então não haverá muita coisa possível, porque, que te acontecerá quando chegar o primeiro satori? Que te acontecerá quando ficares louco? Nada estás perdendo quando te comprometes com um Mestre, porque nada tens a perder. Pelo teu compromisso estás, simplesmente, ganhando; nada estás perdendo, porque nada tens a perder. De nada tens de ter medo. Mas, ainda assim, ainda assim, todos querem ser muito inteligentes, todos querem aprender, sem compromisso. Isso nunca aconteceu, porque não é possível.
Portanto, se és, autenticamente, sinceramente, um inquiridor,
procura alguém com quem possas firmar
um profundo compromisso,
com quem possas mergulhar no Desconhecido.
Sem isso, perambulaste durante muitas vidas
e perambularás.
Sem isso, a suprema realização não será possível.
Arma-te de coragem e dá o salto.
– OSHO