Autobiografia em cinco capítulos
Sobre a gentileza com o processo terapêutico
publicado por Prem Arishiti (Paulo)
1. Ando pela rua.
Há um buraco fundo na calçada.
Eu caio...
Estou perdido... Sem esperança.
Não é culpa minha.
Leva uma eternidade para encontrar a saída.
2. Ando pela mesma rua.
Há um buraco fundo na calçada.
Mas finjo não vê-lo.
Caio nele de novo.
Não posso acreditar que estou no mesmo lugar.
Mas não é culpa minha.
Ainda assim leva um tempão para sair.
3. Ando pela mesma rua.
Há um buraco fundo na calçada.
Vejo que ele ali está.
Ainda assim caio... É um hábito.
Meus olhos se abrem.
Sei onde estou.
É minha culpa.
Saio imediatamente.
4. Ando pela mesma rua.
Há um buraco fundo na calçada.
Dou a volta.
5. Ando por outra rua.
[ Extraído do livro "O Livro Tibetano do Viver e do Morrer" Sogyal Rinpoche – Editora Talento / Palas Athena ]
Na emergência das dores causadas por nossas feridas emocionais quase sempre temos a esperança secreta de encontrar uma técnica, método ou abordagem terapêutica que solucione as nossas angústias de forma rápida e definitiva. A nossa criança emocional ferida, como toda criança, é imediatista. O texto acima traz as etapas que a meu ver, fazem parte de todo processo de auto desenvolvimento.
No primeiro momento nos vemos vulneráveis em uma situação nova. Por sermos surpreendidos, não temos uma estratégia para lidar, ficamos perdidos e levamos tempo para encontrar a saída.
Quando menos esperamos, nos vemos novamente no mesmo lugar de vulnerabilidade de antes. De novo? Sim. Somos movidos de forma inconsciente a esse lugar. Ainda não foi possível detectar um padrão de comportamento, identificar gatilhos, fingimos não ver a situação que estamos nos colocando. E novamente sofremos um monte para encontrar a saída.
E novamente um tempo depois lá estamos nós de novo. Mas algo acontece de diferente agora, já temos a intuição que aquele é um lugar de vulnerabilidade, conseguimos ver isso. Trazer para a consciência, mesmo que de forma difusa. Ainda assim caímos. É o poder do hábito. Ter consciência já é uma quebra importante, mas não resolve de imediato. Por outro lado, já assumimos a responsabilidade pela nossa condição e conseguimos sair da situação mais depressa.
Continuamos a flertar com esse lugar de vulnerabilidade, porém já conseguimos não cair nele. Até que chega o momento que simplesmente já o aprendemos a evitar, e isso acontece quase que naturalmente.
As ferramentas de autoconhecimento dos processos terapêuticos entram em cena para levar ao ganho de consciência. E com essa consciência de nós mesmos e das situações a nossa volta nos empoderamos para a mudança de hábito. O tempo que leva é de cada um. E quanto a nossa criança interna imediatista, devemos acolhê-la de forma gentil. Não dá para fazê-la parar de chorar a força, mas com o devido jeito, as lágrimas serão amenizadas e o sorriso aparecerá naturalmente.