Não se ensina espontaneidade; ela precisa ser resgatada a partir do corpo
publicado por Shantideva (Osmar)
Estamos o tempo todo expressando algo a partir daquilo que nos ativa, estejamos conscientes ou não de como estas expressões ocorrem.
No entanto, a expressão espontânea tem sido algo distante para a maioria de nós. Isso ocorre porque fomos educados, desde crianças, a reprimir a expressão das nossas energias, de forma a nos adaptar ao mundo dos adultos. Assim, aprendemos a engolir o choro, a não gritar de raiva, a tirar a mão dos genitais, a não correr ou falar alto quando estamos felizes, a não sentir medo ou tristeza (pois isso é coisa de gente fraca).... e por aí vai.
Depois, como adultos, passamos a perseguir modelos "ideais" de comportamento, padrões de resposta "corretos" e "adequados" e a buscar obter sucesso em nossas vidas. Para atingir esses estados, organizamos luta, esforço, muitas vezes atropelando sensações físicas e necessidades emocionais, e impondo ao nosso corpo experiências e maneiras de responder que não são naturais para ele. Além disso, muitos de nós nos desensibilizamos em vários aspectos, pois o sentir é entendido como sendo um inimigo desses estados "ideais". Afinal, vamos entendendo logo de partida que esses modelos de sucesso não são alcançáveis para a maioria de nós, e crescemos como adultos que tentam esconder de si mesmos e dos outros as suas "deficiências".
Assim, desenvolvemos algumas tristes habilidades:
1) controle das expressões, para que o mundo enxergue em nós aquilo que entendemos ser o "correto"
2) dependência do outro, entendendo que esse outro irá preencher nossos espaços vazios e atender nossas necessidades
3) Manipulação dos movimentos dos outros, para assegurar que as nossas necessidades sejam atendidas e nosso valor seja percebido
4) Dificuldade em comunicar necessidades e limites, pois assim sentimos que seremos aceitos e poderemos finalmente pertencer
5) Dessensiblização e fragmentação do sistema de energias, contendo a expressividade.
A auto expressividade é a capacidade de uma pessoa manifestar seus sentimentos, pensamentos, crenças e personalidade de forma espontânea e autêntica.
Só podemos experimentar a auto-expressividade se houver liberdade para tal. Em termos corporais, isso significa que as resistências e mecanismos de defesa no corpo precisam ser trabalhados, para que fluxos de energia sejam restaurados e possibilitem expressão madura das nossas ativações.
A tarefa terapêutica de quem trabalha com o corpo é remover os bloqueios que impedem a auto expressividade, o que inevitavelmente levará a pessoa a experimentar uma sensação mais intensa e viva de si mesma.
Como diz Lowen, toda ação espontânea é uma expressão direta de um impulso que vem das movimentações que acontecem no interior da pessoa.
O prazer é um destes impulsos, e é um elemento crucial para resgatar a auto expressividade, desde que seja experimentado como um ato de conexão consigo mesmo, ao invés de algo experimentado a partir de como o outro agiu ou deixou de agir.
Aliás, é importante dizer que a nossa experiência com o prazer é afetada quando perdemos a espontaneidade e organizamos os mecanismos de controle dos impulsos energéticos.
Portanto, o compromisso essencial que nós, terapeutas corporais, devemos estabelecer com as pessoas que nos procuram é ajudá-las a resgatar a motilidade interna decorrente de um aumento no nível de energia corporal.
Afinal, um corpo cheio de vida possui melhores condições para restaurar os caminhos que nos devolvem a espontaneidade.