Se tiver alguma coisa de errado, fala!
publicado por Deva Harischandra Jéssica
Eu já fui tanto de guardar pra mim as coisas que senti, de me incomodar da maneira com que outras pessoas agiram comigo, de me permitir ficar triste e magoada por isso, de perder um tempo enorme pensando nisso... De dizer sim muitas vezes que queria dizer não e fazer coisas sem a menor vontade pra corresponder à expectativa alheia, já passei tanto tempo tendo um comportamento nada a ver, com o intuito de agradar alguém, principalmente ao meu pai, pra me sentir amada por ele. E reproduzi esse comportamento inúmeras vezes com outras pessoas ao longo da minha vida. Quanta coisa a gente faz achando que vai caber na vida do outro ou se sentir pertencente àquele núcleo.
Muitas vezes somos ensinados que dizer as coisas que nos desagradaram é falta de educação, é deselegante, feio, algo que não se deve fazer. A gente vai aprendendo a engolir a seco tantas coisas que nos deixam mal. Aí acabamos reagindo da forma que conseguimos a isso tudo, seja falando mal da pessoa pros conhecidos, ou guardando uma mágoa enorme por muito tempo que talvez um dia joguemos na cara da pessoa com o ódio super multiplicado, ou apenas ficando com aquele sentimento doloroso reprimido dentro da gente, mantendo essa ferida aberta, sangrando ou apenas ali, deixada de lado, mas doendo em algum lugar.
Se a gente não fala ou não cuida disso de alguma forma terapêutica, a gente guarda, segura, prende aquilo, deixa em algum lugar não resolvido e acaba somatizando no corpo. E além disso, nem dá a chance da pessoa que julgamos que nos provocou esse sentimento, mesmo sem ter essa intenção, saber o que aconteceu.
É claro que vale a pena se expor nessa conversa quando é uma pessoa que faz parte do nosso convívio e que faz diferença em nossas vidas. Às vezes ela nem fez nada mesmo, nós que por causa de nossas dores e feridas internas que acabamos nos sentindo de determinada forma, vale também fazer essa análise. E se ela realmente fez algo que não foi legal, tem a oportunidade de perceber isso e aprender com o erro.
Fale, use o seu vishuddha, expresse-se. Bota pra fora, deixe o outro saber que não foi bacana a forma como agiu. Não guarde pra você coisas que não te fazem bem. Não aceite menos do que você merece. Nós podemos dizer qualquer coisa de forma a não agredir ou machucar alguém. Seja assertivo, porém amoroso na sua fala. Todas as conversas ficam melhores assim.
Não fique com aquela velha programação que você recebeu lá na infância e ainda permite que aja automaticamente por você. Use o seu córtex cerebral, escolha. Você pode.
Esqueça todas as máximas que foram introjetadas nos seus corpos, de que “a vida é assim mesmo”, “é feio dizer o que me desagrada”, “é fraqueza demonstrar seus sentimentos”, “é preciso reprimir as emoções”, “a vida é uma luta”, “nós nascemos para competir”, “somente o mais forte sobrevive, temos que ser duros”, “tenho que estar bem o tempo todo”, “dinheiro não dá em árvore”, “tudo na vida é difícil”, “é preciso engolir sapos de vez em quando para sobreviver”, “você merece menos”, “você é um pecador”, “você tem que se humilhar diante dos outros”, “a sua vontade não tem importância”, “homem não chora”, e por aí vai...
Abandone esse monte de ideias que não correspondem à realidade. Saúde emocional é algo muito importante, valorize a sua. Você é um ser humano, tem sentimentos, pode e deve expressá-los. Então, se algo lhe foi dito ou feito e você se sentiu ignorado, excluído, injustiçado, maltratado, humilhado, rejeitado, explorado, fale. Fale sempre pras pessoas queridas o que elas fizeram e te magoou de alguma forma. Seja sincero e honesto consigo e com eles. É digno e pode ser esclarecido, compreendido e ressignificado.
Não perca a oportunidade quando acontecer. É crescimento para todos os envolvidos. Aproveite! E esteja aberto para ouvir quando alguém vier lhe falar que a sua atitude fez com que se sentisse mal. Mas escute com amorosidade e se faça compreender, se entendam e cresçam juntos.
É isso! Crescer pode ser doloroso algumas vezes, mas pode ser muito melhor do que continuar reprimindo seus sentimentos e continuar mentindo até pra você mesmo que está tudo bem. Se não estiver bem, tudo bem. Faz parte. Mas não se cale diante das suas dores, não permita que elas cresçam e te acompanhem por toda a vida. É um peso muito desnecessário. Siga! Nós podemos!
Ontem tive a oportunidade de fazer uma técnica meditativa chamada Giro Sufi, e durante o processo, vi meu pai, com quem eu tive uma história de bastante repressão, ele faleceu quando eu tinha onze anos de idade. Ele me disse com muita ênfase e repetidamente: “Se tiver alguma coisa de errado, fala!”.
Vou seguir ouvindo o conselho dele, mas não mais para agradá-lo ou tentar me sentir amada por ele, como já fiz inúmeras vezes na infância, mas consciente de que é o melhor pra mim. Gratidão pai! Foi lindo te ver.