A trilha sem pegadas

Tantra - A Suprema Compreensão

A trilha sem pegadas

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Transcender a dualidade é visão soberana.
Dominar abstrações é prática régia.
A trilha da não-prática é o caminho de todos os Budas.
Quem pisa essa trilha alcança o estado de Buda.
Transitório é este mundo;
como fantasmas e sonhos ele não tem substância alguma.
Renuncia a ele, abandona teus parentes,
corta os laços da luxúria e do ódio,
e medita em bosques e montanhas.
Se, sem esforço,
permaneceres desprendidamente em estado natural,
logo Mahamudra conseguirás,
e obterás a não-obtenção. 

Há dois caminhos. Um é o caminho do guerreiro, do soldado; o outro é o caminho do rei, o Caminho Real. A Ioga é o primeiro, e o Tantra é o segundo. Portanto, precisas conhecer, primeiro, o que é o caminho do soldado, do guerreiro e, só então, poderás compreender o que Tilopa quer dizer quando se refere ao Caminho Real.

Um soldado tem de lutar, polegada por polegada; um soldado tem de ser agressivo, um soldado tem de ser violento; o inimigo deve ser destruído, ou conquistado.

A Ioga tenta criar um conflito dentro de ti. Oferece-te nítida distinção entre o que é errado e o que é certo, o que é bom e o que é maus, o que pertence a Deus e o que pertence ao diabo. E quase todas as religiões, exceto Tantra, seguem o caminho da Ioga. Dividem a realidade e criam um conflito interior; através desse conflito, prosseguem.

Por exemplo, tens ódio em ti. O caminho do guerreiro é destruir o ódio interior. Sentes cólera, ganância, desejo sexual e milhões de coisas - o caminho do guerreiro é destruir tudo o que é errado, negativo, e desenvolver tudo quanto seja positivo e certo. O ódio deve ser destruído e o amor, desenvolvido. A cólera deve ser completamente destruída e a compaixão, criada. O sexo deve se afastar e dar lugar ao brahmacharya, ao puro celibato. A Ioga imediatamente corta-te com uma espada em duas partes: o certo e o errado; e o certo deve vencer o errado.

Que farás? A cólera está em ti - que sugere a Ioga que faças? Sugere que cries o hábito da compaixão, que cries o oposto, que o tornes tão habitual a ponto de começares a funcionar como um robô - daí ser chamado o caminho do soldado. Por todo o mundo, através da história, o soldado tem sido treinado para uma existência de robô: tem de criar hábitos.

Os hábitos funcionam sem a consciência, não precisam de percepção; podem mover-se sem ti. Se tens hábitos - e toda a gente os tem - podes observar isso. Um homem tira seu maço de cigarros do bolso - observa-o - ele pode não estar consciente do que está fazendo. Tal como um robô, ele procura o bolso. Se ele estiver intimamente inquieto, imediatamente sua mão irá até o bolso, apanhará um cigarro, começará a fumar. Certamente atirará fora a parte que resta; pode ter realizado todos esses gestos sem ter consciência de que os estava realizando.

Ensinamos ao soldado uma existência de robô. O soldado tem de fazer e obedecer; não precisa estar consciente. Quando recebe ordem para virar à direita, tem de virar; não pode pensar se deve ou não virar, porque, se começar a pensar, então será impossível, as guerras não poderão continuar neste mundo. Pensar não é necessário, nem a consciência é necessária. O soldado deve, apenas, ter a percepção suficiente para entender as ordens; é tudo. Um mínimo de percepção: a ordem é dada, e, imediatamente, como um mecanismo, ele a está cumprindo. Não que ele se volte para a esquerda, quando lhe ordenam que se volte para a esquerda - apenas ouve e volta-se. Não está se voltando; cultivou aquele hábito. Está, apenas, acendendo ou apagando a luz - apenas um botão e a luz se acende. Dizem: - “Virar à esquerda!”, o botão é apertado e o homem se move para a esquerda.

William James contou que, certa vez, estava sentado num café e um velho soldado da reserva - na reserva havia mais de vinte anos - ia passando com uma cesta de ovos. Subitamente, William Jones fez uma brincadeira. Gritou “Atenção!” e o pobre homem parou, na posição comandada. Os ovos caíram-lhe da mão e se quebraram. Ele ficou muito zangado, veio correndo e disse - “Que tipo de brincadeira é essa?”

Mas William James argumentou: - “Não precisas obedecer. Todo mundo é livre para gritar ‘atenção’. Não és forçado a atender. Quem te disse que atendesses? Devias ter seguido teu caminho.”

Disse ao homem: - “Isso não é possível, porque é automático. Já há vinte anos estou fora do meio militar, mas o hábito está profundamente enraizado.” Mediante muitos anos de treinamento, um reflexo condicionado é criado.

A expressão “reflexo condicionado” é boa. Foi criada por um psicólogo russo, Pavlov. Diz que simplesmente refletes; alguém atira algo em teus olhos, nem pensas em piscar ou fechar os olhos, e eles simplesmente fecham-se. Uma mosca vem voando e fechas os olhos; não precisas pensar, não há necessidade: é um reflexo condicionado - acontece, simplesmente. Está nos hábitos do teu corpo, em teus ossos. Acontece, simplesmente! Nada pode ser feito contra isso.

O soldado é treinado para existir como um robô. Deve existir através de reflexos condicionados. O mesmo se dá na Ioga. Tu te zangas e a Ioga diz: - “Não fiques zangado, é melhor que cultives o oposto, a compaixão.” Aos poucos, tua energia começa a mover-se no hábito da compaixão. Se perseverares por um longo tempo, a cólera desaparecerá completamente e tu sentirás compaixão. Mas estarás morto, não vivo. Serás um robô, não um ser humano. Terás compaixão, não porque tenhas compaixão, mas só porque cultivaste um hábito.

Podes cultivar um mau hábito e podes cultivar um bom hábito. Alguém pode cultivar o hábito do fumo, outro alguém pode cultivar o hábito de não fumar; uns cultivam o estilo não-vegetariano de alimentação, outros cultivam o estilo vegetariano - mas ambos cultivam e, no julgamento final, ambos são iguais porque ambos vivem de hábitos.

Essa questão deve ser ponderada muito profundamente, porque é muito fácil cultivar um bom hábito, mas é muito difícil tornar-se bom. E o substituto de um bom hábito é barato, pode ser conseguido facilmente.

Agora, particularmente na Rússia, estão desenvolvendo uma terapia: a terapia de reflexos condicionados. Dizem que as pessoas não podem deixar seus hábitos. Alguém fuma há vinte anos - como esperar que deixe de fumar? Podem explicar-lhe que aquilo é mau, os médicos podem dizer-lhe que se trata, mesmo, de uma situação perigosa, que pode originar um câncer, mas há vinte anos de longo hábito e, agora, está enraizado; foi ter ao núcleo mais profundo de seu corpo, está em seu metabolismo. Mesmo que queira, mesmo que deseje, mesmo que deseje sinceramente parar, será difícil que o consiga, porque não é uma questão de desejo sincero: aos vinte anos de contínua prática - e é quase impossível. Portanto, o que fazer?

Na Rússia dizem que não há necessidade de fazer nada e não há necessidade de explicar-lhe nada. Desenvolveram uma terapia: o homem começa a fumar e eles lhe dão um choque elétrico. O choque, a dor que ele causa e o fumo reúnem-se, tornam-se associados. Durante sete dias, o homem permanece hospitalizado e, sempre que começa a fumar, imediatamente, automaticamente, dão-lhe um choque elétrico. Depois de sete dias, o hábito está rompido. Se o persuadirem a fumar ele começará a tremer. No momento em que segura um cigarro, todo o seu corpo treme, por causa da idéia do choque.

Dizem, então, que nunca mais fumará: romperam o hábito por meio de um duro tratamento, por meio de choques. Mas esse homem não se tornará um Buda porque perdeu um velho hábito através de tratamento de choques. Todos os hábitos podem ser modificados através do tratamento de choques. Será ele um Buda? Esclarecido? Porque não mais tem hábitos nocivos? Não. Ele nem mesmo será um ser humano, agora - será um mecanismo. Terá medo das coisas; não poderá fazê-las porque lhe foram dados novos hábitos de medo.

Essa é a significação integral de “inferno”: todas as religiões têm usado tratamentos de choque. O inferno não está em parte alguma, não há qualquer “céu”. Ambas essas coisas são estratagemas, velhos conceitos de psicoterapia. Pintaram o inferno tão horrível que uma criança se toma de medo dele desde o início de sua infância. Basta mencionar a palavra inferno e o medo surge; ela treme. Esse é apenas um estratagema para evitar maus hábitos. Assim, muito prazer, felicidade, beleza e vida eterna são prometidas no céu, se seguires os bons padrões. Tudo quando a sociedade disser que é bom, tens de seguir. O céu ali está para ajudar-te em direção às coisas positivas; e o inferno ali está para evitar que sigas em direção negativa.

Tantra é a única religião que não usou de tais reflexos condicionados, porque Tantra diz que deves florescer como um ser perfeitamente acordado, não como um robô. Assim, se compreenderes Tantra, o hábito é que será mau; não há maus hábitos, não há bons hábitos - o hábito é mau. E é preciso estar acordado para que não haja hábitos. Tu vives, simplesmente, momento a momento com integral consciência, e não através de hábitos. Viver sem hábitos: esse é o Caminho Régio.

Por que é Régio? Um soldado tem de obedecer, mas um rei não precisa fazer isso. Um rei está acima, dá ordens; não recebe ordens de ninguém. Um rei nunca vai à luta, só os soldados vão. Um rei não é um lutador. Um rei vive a mais calma de todas as vidas. Isso é apenas uma metáfora. Um soldado tem de obedecer; um rei vive, simplesmente, desprendido e natural; não há ninguém acima dele. Tantra diz que não há ninguém acima de ti. A quem tens de seguir, através de quem deves organizar teu padrão de vida, através de quem tens de tornar-te imitador? - não há ninguém. Vive uma vida desprendida, natural, fluida - a coisa única é esta: sê perceptivo.

Lutando, poderás adquirir bons hábitos, mas serão hábitos não naturais. As pessoas dizem que o hábito é uma segunda natureza. Pode ser, mas lembra-te da palavra “segunda”. Não é natural; pode parecê-lo, mas não é.

Que diferença haverá entre compaixão verdadeira e compaixão cultivada? A compaixão verdadeira é um resposta - a situação e a resposta. A compaixão verdadeira é sempre viva: algo aconteceu e teu coração flui em direção àquilo. Uma criança cai e tu corres e ajudas a criança a levantar-se; mas isso é uma resposta. Uma compaixão cultivada, uma falsa compaixão, é, apenas, uma reação.

Essas duas palavras são muito significativas: “resposta” e “reação”. A resposta está viva para a situação, ao passo que a reação é apenas um hábito arraigado: no passado, foste treinado para ajudar alguém que cai e, simplesmente, ajudas, mas não pões teu coração nisso. Alguém se está afogando no rio, tu corres e ajudas a pessoa somente porque foste treinado para isso. Permaneces fora do caso, teu coração ali não está, tu não respondeste. Não respondeste àquele homem, àquele homem que se estava afogando no rio. Respondeste àquele momento, seguiste uma ideologia.

Seguir uma ideologia é bom: ajuda todo o mundo, torna-te um servidor das pessoas, têm compaixão! Tens uma ideologia, e, através dela, reages. É do passado que vem a ação; e já está morta. Quando a situação cria a ação e tu respondes em plena consciência, só então, algo de belo acontece contigo.

Se reages por causa de uma ideologia, de velhos padrões de hábitos, nada ganharás com teu gesto. Podes ganhar, no máximo, um pequeno ego, que não é, absolutamente, um ganho. Podes começar a gabar-te de teres salvo um homem que se estava afogando no rio. Podes ir para a praça pública e gritar fortemente: - “Vejam! Eu salvei outra vida humana!” Podes ganhar um pouco mais de ego, por teres feito algo bom; mas isso não é um ganho. Perdeste uma grande oportunidade de ser espontâneo, de ser espontâneo na compaixão. Se respondes à situação, então algo floresce em ti, um desabrochar; e sentirás um certo silêncio, uma quietude, uma bênção.

 

Sempre que há uma resposta, tu florescer por dentro.

Sempre que há uma reação, permaneces morto;

agiste como um cadáver, agiste como um robô.

A reação é feia, a resposta é bela.

A reação é sempre da parte,

a reação nunca é do todo.

A resposta é sempre do todo,

tua inteira totalidade salta para o rio.

Não pensas naquilo,

a situação simplesmente faz com que aconteça.

Se tua vida se tornar uma vida de resposta e espontaneidade, um dia te tornarás um buda. Se tua vida se tornar uma vida de reação, de hábitos mortos, poderás parecer um Buda, mas não te tornarás um Buda. Serás um Buda pintado; por dentro serás apenas um cadáver. Os hábitos matam a vida. Os hábitos são contra a vida.

Todos os dias, como hábito adquirido, tu te levantas cedo; às cinco horas estás de pé. Na Índia, vemos muita gente fazer isso porque, na Índia, durante séculos, ensinou-se que Brahmamuhurt, antes de o sol nascer, é o momento mais auspicioso, o momento sagrado. E é. Mas não podes fazer disso um hábito, porque o sagrado só existe numa resposta viva. Eles se levantam às cinco horas, mas nunca verás em seus rostos a glória que surge quando te levantas cedo como uma resposta.

A vida inteira está se acordando em torno de ti: a terra inteira está esperando pelo sol, as estrelas desapareceram. Tudo está se tornando mais consciente! A terra dormiu, as árvores dormiram, os pássaros estão prontos para alçar vôo. Tudo está pronto, um novo dia começa, uma nova celebração.

Quando essa atitude é uma resposta, então tu te ergues como um pássaro, sussurrando e cantando; teus pés dançam. Isso não é um hábito, não se trata de teres de te levantar; não é por tal coisa estar nas escrituras que, sendo um devoto hindu, te levantas cedo, pela manhã. Se fizeres disso um hábito, não ouvirás os pássaros, porque os pássaros não estão registrados nas escrituras. Não verás o sol que se ergue, porque não basta levantar-se - tu estás seguindo uma disciplina morta.

Podes até ficar zangado, podes até ficar contra aquilo porque na véspera te deitaste tarde e não estás te sentindo bem para te levantares. Seria melhor que tivesses dormido um pouco mais. Não estavas pronto, estavas fatigado. Ou a noite passada não foi tão boa, sonhaste demais e todo o teu corpo sente-se letárgico - gostarias de dormir um pouquinho mais. Mas não; as escrituras rezam assim e assim foste ensinado deste tua mais tenra infância...

Na minha infância, meu avô era partidário das manhãs. Arrancava-me do meu sono mais ou menos às três horas - desde então não consigo levantar-me cedo. Ele me arrastava e eu o maldizia por dentro, mas nada podia fazer e saía com ele para uma caminhada; cheio de sono tinha de caminhar ao lado dele. Assim meu avô destruía toda a beleza do amanhecer.

Sempre que, mais tarde, eu tinha de sair para uma caminhada matinal, não podia perdoá-lo. Lembrava-me sempre dele. Destruíra tudo; durante anos, ele esteve continuamente me arrastando - contudo fazia algo bom; pensava que me estava ajudando a formar um estilo de vida. Mas essa não é a maneira certa: eu sonolento e ele me arrastando. O caminho era bonito, a manhã era bonita, mas ele destruía toda a beleza, ele me despojava. Só depois de muitos anos pude recuperar-me e andar pela manhã sem me lembrar dele. Antes sua lembrança estava comigo. Mesmo depois de morto, ele me seguia, como uma sombra, pela manhã.

Se fazes do levantar-te cedo um hábito, se o fazes como algo forçado, então a manhã torna-se feia. Nesse caso é melhor continuar a dormir. Mas sê espontâneo! Há dias em que não serás capaz de levantar-te - nada há de errado nisso, não estás cometendo um pecado. Se te sentes sonolento, o sono é belo - tão belo como qualquer manhã e tão belo como o nascer do sol, porque o sono pertence ao Divino, assim como o sol. Se tens vontade de descansar o dia inteiro, isso é bom!

Isso é o que o Tantra diz: Caminho Régio, ou seja, agir como um rei, não como um soldado. Não há ninguém acima de ti para forçar-te a dar-te ordens; obedecer não deve, realmente, ser um estilo de vida. Aquele é o Caminho Régio. Deves viver momento a momento, gozando momento a momento, e a espontaneidade deve ser a forma. Por que te preocupas com o amanhã? Este momento é o bastante. Vive-o! Vive-o em sua totalidade. Responde, mas não reajas. Nada de hábitos - esta é a fórmula.

Não estou dizendo para que vivas num caos, mas para que não vivas através de hábitos. Talvez, só por viver espontaneamente, uma forma de vida evolua em torno de ti, mas não será forçada. Se gostas da manhã todos os dias, e, por esse prazer te levantas cedo não por hábito, então levanta-te cedo todos os dias e faze-o durante toda a tua vida, que isso não será um hábito. Não te estás forçando a levantar-te - acontece. Isso é belo, gozas isso, amas isso.

Se acontece por amor, não é um estilo, não é um hábito, não é um condicionamento, não é uma coisa morta, cultivada. Menos hábitos, e estarás mais vivo. Nenhum hábito, e estarás completamente vivo. Os hábitos te cercam como uma crosta morta e tu és encerrado por ela; ficas como numa cápsula, como uma semente; uma célula te rodeia e é dura. Sê flexível.

A Ioga te ensina a cultivar o oposto de tudo o que é mau. Luta contra o mal e atende o bem. Se há violência, mata a violência em teu íntimo, torna-te não-violento, cultiva a não-violência. Faze sempre o oposto e força-o a tornar-se teu padrão. Essa é a maneira do soldado, um pequeno ensinamento.

Tantra é o Grande Ensinamento - o Supremo. Que diz Tantra? Tantra diz: não cries conflitos dentro de ti. Aceita ambas as coisas pois, através dessa aceitação, acontece uma transcendência; não uma vitória, mas uma transcendência. Em Ioga, há vitórias, em Tantra, não. Em Tantra existe apenas transcendência. Não que te tornes não-violento contra a violência; simplesmente passa para além de ambas essas coisas, simplesmente te tornas um terceiro fenômeno - uma testemunha.

Certa vez, eu estava sentado num açougue. O açougueiro era um homem muito bom e eu costumava visitá-lo. Era noite e ele já estava fechando quando um homem chegou e pediu uma galinha. Eu sabia, pois alguns minutos antes ele me dissera que tinha vendido tudo naquele dia, que apenas restara uma galinha. Assim, ele ficou muito feliz. Entrou, trouxe a galinha, atirou-a na balança e disse: - “São cinco rúpias.”

O homem disse: - “Está bem, mas vou fazer uma festa, muitos amigos virão e essa galinha parece muito pequena. Gostaria de levar uma que fosse maior.”

Bem, eu sabia que não havia mais nenhuma galinha, aquela era a única. O açougueiro meditou por um momento, levou a galinha de volta para outro compartimento, ficou ali por um certo tempo, voltou, atirou uma galinha na balança - a mesma - e disse: - “Está é de sete rúpias.”

O homem falou: - “Sabes de uma coisa? Vou levar as duas.”

Então o açougueiro ficou, realmente, num embaraço.

E Tantra causa o mesmo embaraço ao Todo, à Existência mesmo. Tantra diz: levarei as duas.

Não há duas. O ódio não é senão o outro aspecto do amor. E a cólera nada mais é do que o outro aspecto da compaixão. E a violência nada mais é do que a outra face da não-violência. Tantra diz: - “Sabe de uma coisa? Ficarei com as duas. Aceito as duas.” E, subitamente, através dessa aceitação, há uma transcendência, porque não há duas coisas. Violência e não-violência não são duas coisas. Cólera e compaixão não são duas. Amor e ódio não são dois.

Eis por que sabes, observas, mas estás tão inconsciente que não reconheces o fato. Teu amor se transforma em ódio dentro de um segundo. Como é possível que sejam dois? Nem mesmo um segundo é necessário: neste momento amas e, no momento seguinte, odeias a mesma pessoa. Pela manhã amas a mesma pessoa, à tarde a odeias, à noite tornas a amá-la. Na verdade, amor e ódio não são as palavras certas: ódio-amor, cólera-compaixão - são um só fenômeno e não dois. Por isso é que o amor se torna ódio e o ódio pode tornar-se amor; a cólera pode fazer-se compaixão e a compaixão pode tornar-se cólera.

Tantra diz que, a partir do momento em que tua mente estabelece divisão, começas a lutar. Crias primeiro a divisão: condenas um aspecto e aprecias outro. Crias primeiro a divisão, depois o conflito e ficas perturbado. E ficarás perturbado. Um iogue está constantemente perturbado porque tudo quando faz não produz a vitória final; no máximo, sua vitória pode ser temporária.

Podes recalcar a cólera e agir compassivamente, mas sabes bem que a recalcaste para o inconsciente e que ela ali está; a qualquer momento, um pouco de descuido e ela borbulhará, virá à tona. Por isso é preciso estar sempre a recalcá-la. É tão feio estar sempre recalcando as coisas negativas - a vida toda é desperdiçada. Quando gozarás o Divino? Não tens espaço, nem tempo. Estás lutando contra a cólera, a ganância, o sexo, o ciúme e mil outras coisas. Esses mil inimigos aí estão; tens de manter-te constantemente alerta, não podes nunca relaxar. Como é possível que sejas desprendido e natural? Estarás sempre tenso, esgotado, sempre pronto à luta, sempre receoso.

Os iogues tornam-se temerosos até de dormir, porque, dormindo, não podem estar atentos. No sono, tudo quanto recalcaram vem à superfície. Podem ter conseguido o celibato, enquanto estão acordados, mas nos sonhos isso é impossível - nos sonhos surgem belas mulheres, flutuando para dentro deles. E nada podem fazer. Aquelas belas mulheres não estão vindo de nenhum céu, como está escrito nas histórias hindus: Deus as mandou. Por que Deus estaria interessado no iogue? Um pobre iogue, não fazendo mal algum a ninguém, simplesmente sentado no Himalaia, de olhos fechados, lutando contra seus próprios problemas - por que Deus estaria interessado nele? E por que ele mandaria Ele apsaras, belas mulheres, para afastá-lo de seu caminho? Por quê? Não há ninguém ali. Não há necessidade de ninguém mandar ninguém. O iogue está criando seus próprios sonhos.

Tudo o que recalcas vem à tona nos sonhos. Os sonhos são a parte que o iogue negou. E tuas horas que passas o são tão tuas quanto teus sonhos são teus. Assim, se amas uma mulher em tua hora de vigília, ou a amas durante o sono, não há diferença; nem pode haver, porque não é uma questão de existir, de fato, uma mulher, ali, ou não; é uma questão que diz respeito a ti próprio. Se amas uma figura, uma figura de sonho, ou se amas uma mulher de verdade, não há diferença, realmente - uma mulher de verdade também é uma figura, por dentro. Jamais conheces realmente uma mulher, conheces apenas a figura.

Estou aqui. Como sabes que, realmente, estou aqui? Talvez seja apenas um sonho, talvez esteja sonhando que estou aqui. Qual será a diferença, se sonhas que estou aqui ou se me vês realmente aqui? Como estabelecerás a distinção? Qual é o critério? Porque, esteja eu aqui, ou não, não faz a menor diferença: tu me vês dentro de tua mente. Em ambos os casos - sonho ou realidade -, teus olhos recebem os raios, tua mente interpreta e diz que há alguém ali. Tu jamais viste uma pessoa real; não podes vê-las.

Por isso é que os hindus dizem que este mundo é maya, um mundo ilusório. Tilopa diz: “Transitório, fantasmagórico, espectral, visionário é este mundo. Por quê? Porque, entre o sonho e a realidade, não há diferença. Em ambos os casos, estás confinado à tua mente. Vês apenas as figuras; jamais viste a realidade - e nem poderás vê-la, porque a realidade só poderá ser vista quando tu fores real. Se tu és um fenômeno espectral, uma sombra, como podes ver o que é real? A sombra só pode ver a sombra. Poderás ver a realidade apenas quando a mente for abandonada. Através da mente tudo se torna irreal. A mente projeta, cria, dá colorido, interpreta - tudo se forma falso. Daí a ênfase, a contínua ênfase em como abandonar a mente.

Tantra diz: não lutes. Se lutares, poderás continuar tua luta por muitas vidas e nada acontecerá por esse caminho, porque, em primeiro lugar, cometeste um engano - onde viste dois, havia apenas um. E se perderes o primeiro passo, não poderás, sem ele, atingir a meta. Toda a tua passagem será uma contínua perda. O primeiro passo tem de ser dado com absoluta certeza; de outra maneira jamais atingirás a meta.

E o que é absolutamente certo? Tantra diz que é ver um em dois, ver um em muitos. No momento em que vires um na dualidade, já se terá iniciado a transcendência. Esse é o Caminho Régio.

Agora tentaremos compreender o sutra.

Transcender a dualidade é visão soberana.

Transcender, não vencer - transcender. Essa palavra é muito bela. Que significa transcender?

Observa uma criancinha brincando com seus brinquedos. Tu lhe dizes que os guarde e ela fica zangada. Mesmo quando vai dormir leva seus brinquedos e a mãe tem de removê-los depois de ela adormecer. Pela manhã, a primeira coisa que pergunta é onde estão seus brinquedos e quem os levou dali. Mesmo seu sonho refere-se aos brinquedos. Então, de súbito, um dia, a criança esquece os brinquedos. Durante alguns dias, eles permanecem num canto de seu quarto e, então, são removidos ou deitados fora. Nunca mais ela pergunta onde estão. Que aconteceu? Ela os transcendeu; tornou-se madura. Não foi uma luta e uma vitória; não houve luta contra o desejo de ter brinquedos. Não. De súbito, um dia, ela percebeu que aquilo é infantil, que ela não era mais uma criança. De súbito, compreendeu que brinquedos são brinquedos, não são a vida real; e que ela estava pronta para a vida real. Voltou as costas aos brinquedos. Nunca mais eles apareceram em seus sonhos, nunca mais pensou neles. E, ao ver outras crianças brincando com brinquedos, sorri; sorri, um riso de quem conhece, um riso sábio. Diz: - “É uma criança, ainda infantil, brincando com brinquedos.” Ela transcendeu.

A transcendência é um fenômeno muito espontâneo. Não deve ser cultivada. Tu simplesmente amadureces. Vês, simplesmente, o quanto certas coisas são absurdas... e transcendes.

Um jovem aproximou-se de mim, muito preocupado. Tinha uma bela esposa, mas a moça possuía um nariz um tanto comprido. Ele estava preocupado e me perguntou: - “Que fazer?” Mesmo a cirurgia plástica já havia sido tentada, porém o nariz ficara um pouco mais feio, porque nada havia de errado com ele e, quando tentamos melhorar algo que nada tem de errado, esse algo torna-se feio, mais feios; torna-se um transtorno. Agora, o rapaz estava mais perturbado e perguntou-me o que devia fazer.

Falei-lhe sobre os brinquedos, dizendo: - “Um dia terás de transcender. Isso é infantil - por que estás tão obcecado com um nariz? O nariz é apenas uma pequenina parte e tua esposa é bonita, uma pessoa tão bonita - por que a estás entristecendo com essa questão do nariz? Ela também se tornou vulnerável a propósito do nariz. E esse nariz acabou por se fazer todo o problema da vida. E todos os problemas são assim! Não penses que teu problema é algo maior - todos os problemas são iguais ao teu. Todos os problemas são criados pela infantilidade, juvenilidade; nascem da imaturidade.

O jovem estava tão preocupado com o nariz que nem olhava para o rosto da esposa, pois a cada vez que via o nariz, sentia-se perturbado. Realmente, não conseguimos superar tão facilmente certas coisas. Mesmo que não olhes para um rosto por causa do nariz, ainda assim tu te lembrarás desse nariz. Mesmo que tentes fugir, o caso ali está. Estás obcecado. Assim, eu disse a ele que meditasse sobre o nariz da esposa.

Disse ele: - “Quê? Eu nem posso olhar para ele.”

Mas eu retorqui: - “Isso vai ajuda; simplesmente medita sobre o nariz. Antigamente, as pessoas costumavam meditar sobre a ponte de seus próprios narizes; portanto, o que há de errado em meditar sobre a ponta do nariz de tua esposa? Tenta isso!”

Perguntou: - “Mas que virá dessa meditação?”

“Tenta, apenas - disse-lhe eu - e depois de uns tantos meses vem contar-me o que aconteceu. A cada dia, faze com que ela se acomode à tua frente e começa a meditar sobre o nariz dela.”

Um dia ela chegou, correndo para mim e disse: - “Que tolice andei fazendo! De súbito, transcendi. Toda a loucura daquilo se tornou visível - agora já não há problema.”

Ele não estava vitorioso, porque, na verdade, não havia inimigo para ser vencido. Tu não tens inimigos - isso é o que Tantra diz. A vida toda é profundamente amorosa em relação a ti. Não há ninguém para ser destruído, ninguém para ser conquistado; ninguém é inimigo, não há um desafeto para ti. A vida toda te ama. De toda parte o amor flui.

E em teu íntimo, também não há inimigos; os inimigos foram criados pelos sacerdotes, eles criaram um campo de batalha, transformaram-te num campo de batalha. Dizem: - Combate isto, isto é mau! Criaram tantos inimigos, que estás cercado por eles e perdeste o contato com toda a beleza da vida.

Eu te digo: a cólera não é tua inimiga, a ganância não é tua inimiga e nem a compaixão é tua amiga, nem a não-violência é tua amiga - porque, amigos ou inimigos, tu permaneces com a dualidade.

Olha apenas para o todo do teu ser e verás que ele é um. Quando o inimigo se torna amigo e o amigo se torna inimigo, toda a dualidade está rompida. De repente, há a transcendência, de repente há o acordar. E eu te digo que isso é súbito; quando lutas, tens de lutar polegada por polegada, mas aqui não se trata absolutamente de uma luta. Essa é a maneira dos reis - o Caminho Régio.

Tilopa diz: “Transcender a dualidade é visão soberana.” Transcende a dualidade!

Observa apenas, e verás que não há dualidade.

Bodhidharma foi à China, uma das mais raras jóias jamais nascidas. O Rei veio vê-lo e disse: - “Às vezes sinto-me bastante perturbado. Às vezes há muita tensão e muita angústia em mim.”

Bodhidharma fitou-o e disse: - “Vem amanhã cedo, às quatro horas, e traze toda a tua angústia, as ansiedades, as perturbações contigo. Lembra-te, não venhas sozinho - traze todas elas.

O Rei olhou para Bodhidharma - que tinha um aspecto muito estranho, capaz de matar alguém de medo - e disse: - “Que estás dizendo? Que significa o que disseste?”

Bodhidharma disse: - “Se não me trouxeres essas coisas, como poderei pôr-te em bom estado? Traze todas e tudo será acertado.”

O Rei pensou: - “É melhor não ir. Às quatro horas da manhã ainda está escuro e este homem parece meio louco. Com esse grande cajado na mão poderá até bater-me. E que quer ele dizer quando fala em acertar tudo?”

Não pôde dormir a noite inteira, porque a figura de Bodhidharma o perseguia. Pela manhã sentiu que seria melhor ir, “porque, quem sabe? Talvez ele possa fazer alguma coisa.”

Assim, foi, resmungando, hesitante, mas lá chegou. A primeira coisa que Bodhidharma perguntou - e ele estava sentado diante do templo, com o cajado na mão, parecendo ainda mais perigoso no escuro - foi: - “Então, vieste! Onde estão aqueles outros dos quais me falaste?”

O Rei disse: - “Tu falas por enigmas; não há nada que eu pudesse trazer. Eles estão dentro de mim.”

Disse Bodhidharma: - “Muito bem. Dentro e fora, as coisas são coisas. Senta-te, fecha os olhos e tenta procurá-los dentro. Agarra-os imediatamente, avisa-me e olha para o meu cajado. Eu vou acertar com eles!”

O Rei fechou os olhos - nada mais podia fazer -, fechou, pois, os olhos, um tanto amedrontado; olhou para dentro, aqui e ali, observou e, subitamente, tornou-se consciente de que quanto mais olhava nada via - nem ansiedade, nem angústia, nem perturbação. Caiu em profunda meditação. Passaram-se horas, o sol começou a nascer e no rosto dele havia um tremendo silêncio.

Então, Bodhidharma disse-lhe: - “Abre os olhos, agora. Isso já é o bastante! Onde estão aquelas coisas? Pudeste agarrá-las?”

O Rei sorriu, fez uma reverência, tocou os pés de Bodhidharma, e disse: - “Tu realmente as acertaste, porque não as encontrei e, agora, sei o que se passava. Em primeiro lugar, não estavam ali. Pensei que existissem porque nunca entrei dentro de mim mesmo para olhá-las. Estavam ali porque eu não estava presente lá dentro. Agora sei; fizeste o milagre.”

E foi isso o que aconteceu. Isso é transcendência; antes de resolver um problema, verifica, em primeiro lugar, se há mesmo um problema. Primeiro crias o problema e, depois, começas a buscar uma solução. Primeiro crias a pergunta e, depois, dás a volta ao mundo e sei que, se observares a pergunta, ela desaparecerá; não haverá necessidade de uma resposta. Se observares a pergunta, a pergunta desaparecerá - e isso é transcendência. Não é uma solução, já que não existe pergunta alguma para ser respondida. Não estás doente. Observa internamente e não encontrarás a doença: então, que necessidade há de uma solução?

Cada homem é como deve ser.

Cada homem nasce como rei.

De nada carece,

não precisa melhorar.

E as pessoas que tentam melhorar-te destroem-te; são os verdadeiros fabricantes do mal. E há muitas que permanecem à espreita, como gatos espreitam camundongos: tu te aproximas, elas saltam sobre ti e começa, imediatamente, a melhorar-te. Há muitos melhores, por isso é que o mundo está nesse caos; há gente demais tentando melhorar-te.

Não permitas que ninguém te melhore.

Tu já é a última palavra.

Tu não és apenas o alfa, és também o ômega.

Tu és completo, perfeito.

Mesmo que te sintas imperfeito, lembra-te de que Tantra diz que a imperfeição é perfeita. Não precisas preocupar-te com isso. Parecerá muito estranho dizer que tua imperfeição é também perfeita, que nada lhe está faltando. Na verdade, pareces imperfeito, não porque sejas imperfeito, mas porque estás fazendo crescer a perfeição. Isso parece absurdo, ilógico, porque pensamos que a perfeição não pode crescer; porque imaginamos a perfeição como aquilo que alcançou o último ponto de crescimento - mas essa perfeição está morta. Se não pode crescer, a perfeição está morta.

Deus continua crescendo, pois não é perfeito dessa forma, a de não precisar crescer. Ele é perfeito porque nada Lhe falta, mas vai de uma perfeição a outra, crescendo sem cessar - Deus é evolução, não da imperfeição, para a perfeição, mas da perfeição para uma maior perfeição, para ainda maior perfeição.

Quando a perfeição não tem futuro, está morta. Quando a perfeição tem um futuro, uma abertura, um crescimento, ainda um movimento, então torna-se parecida à imperfeição. E eu gostaria de dizer-te: sê imperfeito e em crescimento, porque isso é a vida. E não tentes ser perfeito, senão deixarás de crescer. Então serás, como uma estátua de Buda, pedra morta.

Por causa desse fenômeno - a perfeição que continua crescendo - sentes-te imperfeito. Deixa que assim seja. Permite que assim seja. Esse é o Caminho Régio.

Transcender a dualidade é visão soberana;

dominar abstrações é prática régia.

As abstrações existem; tu perderás tua consciência muitas e muitas vezes. Meditas, sentas-te para a meditação, um pensamento surge e, imediatamente, te esqueces de ti mesmo, segues o pensamento, és envolvido por ele. Tantra diz que há apenas uma coisa a ser dominada - a abstração.

Como? Só de uma maneira: quando um pensamento vier, conserva-te testemunha. Encara-o, permite que ele passe pelo teu ser, mas não te prendas de forma alguma a ele, a favor ou contra. Pode ser um mau pensamento, um pensamento voltado para matar alguém - não o repilas, não digas: este é um mau pensamento. No momento em que dizes alguma coisa sobre um pensamento, tu te ligas a ele e cais na abstração. Aquele pensamento pode levar-te a muitas coisas, de um pensamento a outro. Um bom pensamento vem, um pensamento compassivo; não digas: “Oh! Que lindo! Sou um grande santo. Tão belos pensamentos estão surgindo que eu gostaria de dar salvação ao mundo inteiro. Gostaria de libertar toda a gente.” Não digas isso. Bom ou mau, conserva-te como testemunha.

Mesmo assim, a princípio, muitas vezes te distrairás. Então, que fazer? Se estás absorto, sê absorto. Não te preocupes demais com isso, quando não, essa preocupação se tornará obsessiva. Sê distraído! Por alguns minutos permanecerás absorto e, então, subitamente, recordarás: “estou distraído” e estarás de volta. Não te sintas deprimido. Não dias “não está certo que me distraia”, pois estará novamente criando o dualismo: mau e bom. Distraído? Pois está bem, aceita isso e volta. Mesmo com a distração, não cries um conflito.

Isso é o que Krishnamurti vem dizendo sempre. Usa, para tanto, um conceito paradoxal. Diz que, se estás desatento, deves ser atentamente desatento. Isso é certo! De repente descobres que estiveste desatento, dás atenção a isso e retornas ao ponto de partida. Krishnamurti não tem sido compreendido pelo fato de ele seguir o Caminho Régio. Se ele fosse um iogue, seria muito facilmente entendido. Por isso diz, constantemente, que não há método: no Caminho Régio não há método. Insiste em dizer que não há técnica: no Caminho Régio não há técnica. Insiste em dizer que escritura alguma te ajudará: no Caminho Régio não há escritura.

Absorto? No momento em que recordares, no momento em que prestares atenção e descobrires que estiveste distraído, retorna! Isso é tudo! Não cries conflito algum. Não digas que foi mau, não te sintas deprimido, frustrado, por te haveres novamente abstraído. Nada há de errado com a distração - goza também isso.

Se puderes gozar a abstração, ela te acontecerá cada vez menos. E um dia virá em que não haverá abstração - mas não será uma vitória. Tu não recalcaste os fios da distração de tua mente para a profundeza do inconsciente. Não. Tu permitiste que eles viessem. Também eles são bons.

Esta é a maneira de ser do Tantra, que diz que tudo é bom e sagrado. Mesmo que haja abstração, distração, de certa forma ela é necessária. Podes não ter consciência do porquê dessa necessidade, entretanto ela existe. Se puderes sentir-te bem com tudo o que acontece, só então estarás seguindo o Caminho Régio. Se começas a combater o que quer que seja, é porque saíste do Caminho Régio e te tornaste um soldado comum, um guerreiro.

Compreender a dualidade é visão soberana;

dominar abstrações é prática régia;

a trilha da não-prática é o caminho de todos os Budas.

Nada deve ser praticado, porque a prática cria hábitos. É preciso que nos tornemos mais conscientes, não mais praticantes. O belo acontece através do espontâneo e não através da prática. Podes praticar amor, podes receber treinamento para o amor. Na América, cogita-se de criar alguns cursos de treinamento para o amor, porque as pessoas esqueceram-se, mesmo, de como se ama. É algo realmente estranho! Mesmo os animais, os pássaros e as árvores não perguntam a ninguém, não vão a colégio algum e amam. E muitas pessoas me procurar...

Há alguns dias apenas, um jovem escreveu-me uma carta. Dizia: - “Eu compreendo; mas como ama? Como proceder? Como me aproximar de uma mulher?” Parece ridículo que tenhamos perdido completamente o caminho desprendido e natural. Nem mesmo o amor não é possível sem treinamento. E, se fores treinado, tornar-te-ás repulsivo, porque, então, tudo o que fizeres será parte do treinamento. Não será verdadeiro; será uma representação. Não será a vida real; será como se se tratasse de atores.

Os atores criam amor, representam cenas amorosas, mas já reparaste que os atores são fracassados no que se refere ao amor? Suas vidas amorosas são, quase sempre, um fracasso. Teoricamente isso não deveria acontecer, porque durante vinte e quatro horas por dia eles praticam o amor. Com tantas mulheres, com tantas histórias, de formas diversas praticam o amor; são amantes profissionais e deveriam ser perfeitos ao apaixonarem-se, mas, quando se apaixonam, tornam-se, quase sempre, fracassados.

As vidas amorosas de atores e atrizes são sempre fracassos. Por quê? É a prática; praticaram demais e, agora, o coração não pode funcionar. Continuam a fazer, simplesmente, gestos mecânicos; beijam, mas sem beijar; só os lábios se juntam. Só os lábios se juntam e não há transferência de energia ali, seus lábios estão fechados, frios. E, se os lábios estão frios, o beijo é repulsivo, anti-higiênico. É, apenas, a transferência de milhões de germes, doenças, células - e só.

O beijo é repulsivo, se a energia interior não está presente. Podes abraçar uma mulher, ou um homem - os ossos se encontram, os corpos se chocam, mas não há transferência da energia interior. A energia não está presente. Apenas te movendo por meio de gestos mecânicos. Podes, mesmo, fazer amor. Podes cumprir todos os gestos do amor, mas isso será mais uma ginástica do que amor.

Lembra-te: a prática mata a vida. A vida é mais viva quando não praticada. Quando ela flui em todas as direções, sem qualquer esquema, sem qualquer disciplina forçada, então encontra sua própria ordem, sua própria disciplina.

A trilha da não-prática é o caminho de todos os Budas;

quem pisa essa trilha alcança o estado de Buda.

Então, o que fazer? Se a não-prática é o caminho, então, o que fazer? Apenas viver espontaneamente. Que medo é esse? Por que estás tão temeroso de viver espontaneamente? Claro que pode haver perigos, riscos - mas isso é bom! A vida não é como um trilho de estrada de ferro, com os trens movendo-se sempre no mesmo trilho, manobrando. A vida é como um rio: cria seu próprio caminho; não é um canal. Um canal não serve; um canal é uma vida de hábitos. O perigo existe, mas o perigo é vida, está envolvido na vida. Só os mortos estão para além do perigo. Por isso é que as pessoas se tornam mortas.

Vossas casas mais se parecem a sepulturas. Estais demasiadamente preocupados com a segurança. E o excesso de preocupação em relação à segurança mata, porque a vida é insegura. Assim é! Nada se pode fazer quanto a isso; ninguém pode tornar a vida segura. Todas as seguranças são falsas, todas as seguranças são imaginárias. Uma mulher ama-te hoje, amanhã - quem sabe? Como podes estar seguro do amanhã? Poder ir ao tribunal e registrar, firmar um laço legal que diga que ela permanecerá também amanhã como tua esposa. Ela pode permanecer como tua esposa, em virtude do laço legal, mas o amor pode desaparecer. O amor não conhece legalidade. E, quando o amor desaparece, a esposa permanece esposa e o marido permanece marido, então há um clima de morte entre eles.

Por causa da segurança, criamos o casamento. Por causa da segurança, criamos a sociedade. Por causa da segurança, sempre nos movemos no caminho canalizado.

A vida é selvagem.

O amor é selvagem.

E Deus é absolutamente selvagem.

Ele jamais entrará nos teus jardins, porque eles são demasiadamente humanos. Ele não irá às tuas casas, pois são demasiadamente pequenas. Ele jamais será encontrado em teus caminhos canalizados. Ele é selvagem.

Lembra-te: Tantra diz que a vida é selvagem. Temos de viver entre todos os perigos, entre todos os riscos - e é belo, porque nisso há aventura. Não tentes fazer da tua vida um esquema fixo; deixa que ela tome seu próprio curso. Aceita tudo, transcende a dualidade através da aceitação, permite que a vida tome seu próprio curso - e chegarás, com toda a certeza chegarás. Este “toda a certeza” eu digo não para tornar-te seguro, mas porque é um fato; eis por que o digo. Não é a tua certeza de segurança. Os que são selvagens sempre a alcançam.

Transitório é este mundo:

Como fantasmas e sonhos, ele não tem substância alguma.

Renuncia a ele e abandona teus iguais,

corta os laços da luxúria e do ódio,

e medita em bosques e montanhas.

Se, sem esforço,

permaneceres desprendidamente em estado natural,

logo Mahamudra alcançarás

e obterás a não-obtenção, o não-aquisitivo.

Este sutra deve ser muito profundamente entendido, porque é possível que te equivoques. Tem havido muitos equívocos em relação a este sutra de Tilopa. Todos os que o comentaram, diante de mim, perderam o ponto essencial. Há uma razão. Este sutra diz: Transitório é este mundo; este mundo é feito do mesmo material com que são feitos os sonhos. Entre os sonhos e este mundo não há diferença. Caminhando ou adormecido, tu vives num mundo de sonho de tua propriedade. Lembra-te: não há um mundo; há muitos mundos, tantos como há pessoas. Cada uma delas vive em seu próprio mundo. Às vezes nossos mundos se encontram e se chocam, às vezes se fundem, mas nós permanecemos fechados em nossos próprios mundos.

Transitório é este mundo [criado pela mente],

Como fantasmas e sonhos, ele não tem substância alguma.

Isso é o que os físicos também dizem. Ele não tem substância alguma. A matéria desapareceu completamente do vocabulário dos físicos nestes últimos trinta ou quarenta anos. Há setenta ou setenta e cinco anos atrás, Nietzsche declarou: - “Deus está morto.” E disse isso para enfatizar que só a matéria existia - e o século ainda não se havia completado. Exatamente vinte e cinco anos depois da morte de Nietzsche - ele morreu em 1900 -, em 1925, os físicos compreenderam que nada sabemos sobre Deus, mas de uma coisa estamos certos: a matéria está morta. Não há nada de material em torno de nós, tudo não passa de vibrações, vibrações entrecruzadas que criam a ilusão da matéria.

É como no cinema: nada há na tela, apenas luzes elétricas entrecruzando-se e criando um mundo de ilusão. E já há filmes tridimensionais: criam perfeitamente uma ilusão de tridimensionalidade. Exatamente como um filme sobre a tela é o mundo, porque ele é, todo, um fenômeno elétrico; só tu és real, só a testemunha é real, tudo o mais é um sonho. E o estado e Buda surge quando transcendes todos esses sonhos e nada resta para ser visto: apenas o que via está sentado, silencioso. Não há nada, não há objeto a ser visto; apenas o que via restou - então obtiveste o estado de Buda, a realidade.

Transitório é este mundo:

Como fantasmas e sonhos, ele não tem substância alguma.

Renuncia a ele e abandona teus parentes...

Estas palavras: “Renuncia a ele e abandona teus parentes” foram mal entendidas. Houve uma razão para isso; todos os que não as entenderam eram renunciantes e pensaram que Tilopa estava falando daquilo em que acreditavam. Mas Tilopa não podia dizer tal coisa, porque vai contra todas as suas concepções. Se o mundo é como um sonho, que significação tem renunciar a ele? Podes renunciar à realidade, mas não podes renunciar a um sonho - seria tolice demais. Podes renunciar a um mundo substancial, mas não podes renunciar a um mundo fantasma. De manhã, sobe ao topo da tua casa, chama todos os que estão próximos e declara: - “Renunciei aos sonhos! Na noite passada tive sonhos demais e renunciei a eles.” Quem te ouvir rirá; todos pensarão que enlouqueceste - ninguém renuncia aos sonhos. Todos acordam, simplesmente; ninguém renuncia aos sonhos.

Um Mestre Zen acordou, certa manhã, e disse a um de seus discípulos: - “Tive um sonho a noite passada. Quer interpretá-lo para mim, dizer-me o que significa?”

O discípulo disse: - “Espera! Deixa-me trazer-te uma xícara de chá.”

O Mestre tomou a xícara de chá e perguntou: - “E agora, o sonho?”

Disse o discípulo: - “Esquece-te dele, porque um sonho é um sonho e não precisa de interpretação. Uma xícara de chá é interpretação suficiente - acorda!”

O Mestre falou: - “Certo, absolutamente certo! Se tivesses interpretado meu sonho, eu te expulsaria do meu mosteiro, porque só os tolos interpretam sonhos. Fizeste bem; de outra maneira, terias sido definitivamente expulso e eu nunca mais olharia para tua cara.”

Quando tiveres um sonho, o que precisas é de uma xícara de chá e fim de conversa. Freud, Jung e Adler ficariam muito preocupados se ouvissem essa história, porque desperdiçaram sua vida inteira preocupados se ouvissem essa história, porque desperdiçaram sua vida inteira interpretando sonhos alheios. Um sonho tem que ser transcendido. Simplesmente por saberes que se trata de um sonho, tu o transcendes - isso é a renúncia.

Tilopa tem sido erroneamente interpretado porque há, no mundo, renunciantes demais, condenadores. Pensaram que ele estava dizendo que se renunciasse ao mundo. Não era isso o que ele estava dizendo. Dizia: - “Aprende que ele é transitório; isso é renúncia.” “Renuncia a ele” - diz Tilopa e quer dizer: aprende que ele é um sonho.

Abandona teus parentes - e pensaram que ele estivesse dizendo: - “Deixa tua família, tuas relações, tua mãe, teu pai, teus filhos.” Não, ele não estava dizendo isso, não podia dizer isso; é impossível que Tilopa diga tal coisa. Não deves pensar que alguém é tua esposa, pois esse “ser meu” é um fantasma, um sonho. Não deves dizer: - “Esta criança é meu filho”, porque esse “ser meu”, esse “meu” é um sonho. Ninguém é teu, ninguém pode ser teu. Renuncia a essas atitudes que dizem que alguém é teu - marido, esposa, amigo, inimigo; renuncia a todas essas atitudes. Não construas pontes: “meu”, “teu” - põe de lado essas palavras.

Se puseres de lado essas palavras, renunciarás aos teus parentes: ninguém é teu. Isso não significa que devas escapar, que devas fugir de tua esposa, porque, se fugiras, mostrarás que pensas que ela é substancial. Fugir sempre mostrará que ainda pensas que ela é tua, caso contrário, por que foges?

Isto aconteceu: um hindu sannyasin, Swami Ramteerth, voltou da América. Estava no Himalaia e sua esposa veio vê-lo, o que o deixou um pouco perturbado. Seu discípulo, pessoa de mente muito penetrante, Sardar Poorn Singh, estava sentado ao lado dele. Observou e sentiu que o Swami ficara perturbado. Quando a esposa se foi, Ramteerth arrancou, subitamente, suas vestes de cor laranja. Poorn indagou: - “Que é isso? Eu estava observando e vi que ficaste um pouco perturbado; senti que não eras tu mesmo.”

O outro respondeu: - “É por isso que estou arrancando estas roupas. Encontrei tantas mulheres e nunca me perturbei. Nada há de especial nessa mulher - a não ser que ela é minha esposa. Esse “minha” ainda está presente. Não sou digno de usar estas roupas. Não renunciai ao “minha”, renunciei apenas à esposa. A esposa não é o problema; nenhuma outra mulher me perturbou, mas chega a minha mulher - mulher comum como qualquer outra - e, de repente, fico perturbado. A ponte ainda está aí.” Morreu vestido com roupas comuns, jamais usou as de cor laranja. Dizia: - “Não sou digno.”

Tilopa não dirá que renuncies à tua esposa, a teu filho, aos teus parentes. Não. Ele está dizendo que renuncies às pontes, que as deixes e isso é um problema teu, nada tem a ver com tua esposa. Se ela continua a pensar em ti como seu marido, é problema dela, não teu. Se o filho continua a pensar que és seu pai, isso não é problema, ele é uma criança que precisa amadurecer.

Eu te digo: Tilopa se refere à renúncia quanto aos sonhos interiores, às pontes, ao mundo interior.

... e medita em bosques e montanhas.

E, com isso, também não está dizendo que fujas para os bosques e montanhas. Houve quem o interpretasse assim e muitos fugiram de suas esposas e filhos e foram para as montanhas - coisa absolutamente errada. O que Tilopa está dizendo é mais profundo, não é tão superficial, porque podes ir para a montanha e permanecer na praça pública. A questão é a tua mente. Podes sentar-te no Himalaia e pensar na praça pública, em tua esposa, em teus filhos e no que estará acontecendo a eles.

Isto aconteceu: um homem renunciou à sua esposa, filhos família e veio a Tilopa para ser iniciado como seu discípulo. Tilopa estava estagiando num templo fora da cidade. O homem veio. Quando entrou estava sozinho e Tilopa também estava sozinho. Tilopa olhou em torno dele e disse: - “Vieste, está bem, mas por que essa multidão?” O homem também olhou para trás, porque ali não havia ninguém. Tilopa disse: - “Não olhes para trás! Olha para dentro! - a multidão está aí.” O homem fechou os olhos e a multidão ali estava: sua esposa chorava ainda, seus filhos estavam chorosos e tristes, tinham permanecido na fronteira da cidade, ponto até onde o haviam acompanhado - amigos, família, outras pessoas, todos estavam ali. E Tilopa disse: - “Vai-te embora; deixa a multidão. Eu inicio pessoas, não multidões.”

Não; Tilopa não dirá que renuncies ao mundo e vás para a montanha. Ele não é tão tolo. Não pode dizer isso - é um homem Desperto. O que ele quer dizer é o seguinte: que renuncies aos teus sonhos, às pontes, aos relacionamentos - não às relações; se renuncias à tua mente vais encontrar-te, de repente, nos bosques e nas montanhas. De repente, estás sozinho. Só tu estás ali, mais ninguém.

Podes estar na multidão e sozinho, e podes estar sozinho e na multidão. Podes estar no mundo, e não ser do mundo. Podes estar no mundo, e pertencer aos bosques e montanhas.

Esse é um fenômeno interior. Há bosques e montanhas interiores; Tilopa não pode dizer nada sobre montanhas e bosques externos, porque eles também são sonhos. Um Himalaia é um sonho, tanto como a praça do mercado em Poona, porque um Himalaia é um fenômeno externo, como o é a praça do mercado. Os bosques também são sonhos. Precisas entrar no interior - ali é que a realidade está. Tens que entrar cada vez mais na profundeza de teu ser; então chegarás ao Himalaia verdadeiro, alcançarás os verdadeiros bosques do teu ser, chegarás aos picos e vales do teu ser, às alturas e profundidades do teu ser. Tilopa quer dizer:

Se, sem esforço,

permaneceres desprendidamente em estado natural,

E é esse o significado, porque ele é partido do estado desprendido e natural. Fugir da esposa e dos filhos não é natural, não é, absolutamente, ser desprendido. Um homem que deixa sua esposa, filhos, amigos e o mundo torna-se tenso, não pode ser desprendido. Pelo simples esforço da renúncia, a tensão aparece.

Ser natural quer dizer ficar onde se está. Ser natural, quer dizer: onde te encontrares, fica. Se és marido, está bem; se és esposa, que belo; se és mão, está certo, tem de ser assim. Aceita o que quer que seja, onde quer que esteja e seja o que for que te aconteça; só então poderás ser desprendido e natural; de outra maneira será impossível que o sejas. Teus chamados monges, sadhus, gente que fugiu ao mundo, são, na verdade, covardes que estão sentados em seus mosteiros; não podem ser desprendidos e naturais, têm de estar tensos; fizeram algo que não é natural; foram contra o fluxo natural.

Sim, para algumas pessoas pode ser natural. Por isso não estou dizendo devas forçar-te a estar na praça do mercado, porque, então, irás para o outro extremo e farás, novamente, a mesma tolice. Para algumas pessoas é inteiramente natural estar num mosteiro; então, têm de estar num mosteiro. Para algumas pessoas pode ser inteiramente natural ir para as montanhas e elas são para as montanhas. O que deve ser lembrado, como critério, é ser desprendido e natural. Se és natural no mercado, ótimo. O mercado também é Divino. Se te sentes desprendido e natural no Himalaia, ótimo. Nada há de errado nisso. Lembra-te apenas de uma coisa: sê desprendido e natural. Não forces! E não queiras criar tensão dentro do teu ser. Relaxa.

... logo Mahamudra alcançarás...

Permanecendo desprendido e natural, logo chegarás ao clímax orgástico com a Existência.

... e obterás a não-obtenção.

E alcançarás aquilo que não pode ser alcançado. Por quê? Por que dizer que isso não pode ser alcançado? Porque não pode ser transformado num objetivo. Não pode ser alcançado pela mente orientada para um objetivo. Não pode ser alcançado pela mente atingidora.

Há muitas pessoas aqui que seguem a linha da mente atingidora. Estão tensas, porque fizeram meta do que não pode ser feito meta. Isso te acontece! - e não o podes alcançar. Não o podes alcançar - ele é que vem ter contigo. Só podes ser passivo, desprendido e natural e esperar pelo tempo exato, porque tudo tem sua estação apropriada. Por que tens pressa? Se estás apressado, ficas tenso e em constante expectativa.

Por isso é que Tilopa diz: ... e obterás a não-obtenção. Não é meta. Não pode ser transformado em alvo aquilo que desejas obter; não podes dirigir-te a ele como uma flecha, não. A mente, apontada para um alvo, é uma mente tensa.

De súbito chega, quando estiveres pronto;

nem mesmo os passos serão ouvidos.

De súbito chega.

Nem mesmo tens consciência de que está chegando.

Floresceu.

De súbito, vês o florescimento

e ficas repleto de fragrância.

– OSHO




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